Menor de 14 anos, gravidez e crime de estupro de vulnerável
Maurício, de 19 anos, é namorado de Évelyn, 12 anos. Tendo Maurício e sua namorada mantido relações sexuais, Évelyn acabou engravidando e dando à luz um filho. Os pais de Évelyn concordavam com o relacionamento; Maurício, ademais, assumiu a criança e passou a viver com ela e Évelyn. Nada obstante, o Delegado da cidade ficou sabendo do ocorrido e instaurou inquérito policial, que desaguou em ação penal contra Maurício, pela prática do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A). Há, de fato, crime na conduta de Maurício?
Por razões de política criminal, passou-se a adotar, como regra geral, o critério etário para definição de vulneráveis. Antes da Lei 12.015/09, ainda vigorava a presunção de violência, pois a vítima “não era maior de 14 anos”. Agora, ela deixa de ser vulnerável exatamente no dia em que completa a idade mencionada. A escolha é objetiva, por isso não há espaço para se discutir eventual possibilidade de afastar determinadas pessoas, menores de 14 anos, da definição de vulneráveis, em decorrência de questões ligadas à educação, ao porte físico, a eventual histórico de promiscuidade ou ao estilo de vida.
O STJ considera que se trata de conceito absoluto, mesmo no caso de adolescentes. O assunto foi definido em recurso especial repetitivo (Tema 918) e resultou na edição da Súmula n. 593 (“O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”).
Em que pese a existência desse entendimento sumulado, alguns julgados do Tribunal da Cidadania têm deixado de aplicá-lo (“distinguishing”) em situações como aquela narrada no primeiro card desta postagem, para afastar a presença do crime de estupro de vulnerável em contexto no qual: (i) a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante (o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima contava com 12 anos de idade); (ii) houve concordância dos pais da menor; (iii) vontade da vítima de conviver com o réu; (iv) nascimento do filho do casal, o qual foi registrado pelo genitor.
No mais recente precedente (Inf. 777), a Sexta Turma do STJ adotou a teoria quadripartida na conceituação formal-analítica do crime e falou em ausência de punibilidade concreta e de necessidade de aplicação da pena, nisso se aproximando, também da noção doutrinária de bagatela imprópria (que examina a relevância penal do fato e a necessidade de aplicação da pena no caso concreto, e não, propriamente, a tipicidade material, objeto de análise na bagatela própria ou princípio da insignificância).