Art. 305 do CTB. Fuga do local do acidente. Garantia de não autoincriminação. Violação: inocorrência. Constitucionalidade. ADC 35.
Diz o 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB):
Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Mas...não se estaria com esse tipo penal coagindo eventual acusado a produzir prova contra si mesmo, o que contrariaria a garantia da não autoincriminação (privilege against self incrimination ou nemo tenetur se detegere), extraída do art. 5º, LXIII, da Carta Maior?
Art. 5º. (...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 971959, com repercussão geral (Tema 907), o STF já havia entendido que a regra do art. 305 do CTB não viola a garantia de não autoincriminação:
“A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”.
Não obstante, o tema ainda gerava polêmica. Muitos tribunais seguiam entendendo que o tipo penal em foco conflitaria com a garantia contra a autoincriminação.
Deveras, na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 35, a Procuradoria-Geral da República (PGR) sustentava que Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e de Santa Catarina, assim como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vinham declarando a inconstitucionalidade do dispositivo em testilha, sob o pretexto de que, ao tipificar como crime a conduta de “afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”, acabava por impor ao motorista a obrigação de colaborar com a produção de provas contra si.
Prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin, ratificando o entendimento esposado no RE 971959.
Sem dúvida, o direito ao silêncio ou de não produzir prova contra si mesmo limita a atividade persecutória do Estado e impede que se imponha a algum investigado ou acusado a colaboração ativa na produção de provas que o prejudiquem. Sem embargo, a mera exigência de permanência no local do acidente não se confunde com confissão ou com responsabilidade pelo sinistro, mas tão somente assegura a identificação dos envolvidos. Trata-se de cautela necessária para reforçar a atuação estatal no sistema de trânsito, haja vista o lamentável e preocupante número de acidentes com mortes ou graves lesões nas estradas brasileiras.
Para finalizar, lembramos que o Supremo, no julgamento do RE 640139 (repercussão geral, Tema 478), já havia decidido, em semelhante linha de raciocínio, que “O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).”
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: