Conselhos de Fiscalização Profissional. Regime de pessoal. CLT. Art. 58, § 3º, da Lei 9.649/1998. Constitucionalidade. ADC 36, ADI 5367 e ADPF 367.
Sabemos que os Conselhos de Fiscalização de profissões regulamentadas (Conselhos de Classe, Conselhos de Fiscalização Profissional, Conselhos Profissionais, Conselhos Corporativos ou Autarquias Corporativas, dentre outras nomenclaturas adotadas pela doutrina e pela jurisprudência) são tradicionalmente enquadrados como entidades autárquicas federais, seja em se cuidando de Conselhos Regionais (ex.: Conselho Regional de Medicina), seja em se tratando de Conselhos Federais (ex.: Conselho Federal de Medicina). Por isso, aliás, atraem a competência da Justiça Federal (CRFB, art. 109, I). Outra não é a razão que serve de lastro à Súmula 66 do STJ:
“Compete à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por Conselho de fiscalização profissional.” (Súm. 66 do STJ)
Embora sejam comumente enquadrados como autarquias, é importantíssimo sabermos que os Conselhos não se submetem à integralidade do regime jurídico de direito público aplicável às demais autarquias. No quadro abaixo, elencaremos alguns pontos típicos ao regime de direito público e apontaremos se são aplicáveis, ou não, aos Conselhos:
Disso já se percebe o quão híbrido é o regime jurídico aplicável aos Conselhos Profissionais, mesmo que, ontologicamente, sejam enquadrados como pessoas jurídicas de direito público.
Em vista desse hibridismo, indaga-se: os Conselhos de Fiscalização Profissional devem aplicar o regime celetista (CLT) nas contratações de pessoal ou, ao revés, estão sujeitos à exigência de regime jurídico único (Lei 8.112/1990)?
O STF, em recente decisão, definiu que os empregados dos Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista.
O tema foi definido no julgamento conjunto da ADC 36, da ADI 5367 e da ADPF 367, ou seja, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Analisava-se a constitucionalidade do art. 58, § 3º, da Lei 9.649/1998, assim redigido:
Art. 58. (...)
§ 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.
Por apertada maioria, o Supremo seguiu o voto do Min. Alexandre de Moraes, que defendeu a constitucionalidade da previsão legal de aplicabilidade do regime celetista aos empregados dos Conselhos Profissionais, ficando vencida a tese de que lhes seria imposta a observância do regime jurídico único apregoado pelo art. 39, caput, da CRFB.
Como premissa, enfatizou-se que os Conselhos — em que pese a personalidade de direito público já assentada pela jurisprudência do STF, única compatível com o exercício do poder de polícia que lhes é característico — devem ser considerados como autarquia sui generis, devido a uma série de particularidades que conformam o regime jurídico que lhes é aplicável.
Nesse sentido, não se sujeitam a controle institucional, político ou administrativo por parte de nenhum Ministério ou mesmo do Presidente da República, gozando, pois, de ampla autonomia, inclusive na escolha de seus dirigentes; não se submetem à programação orçamentária deliberada no Congresso Nacional, uma vez que não recebem recursos do Tesouro Nacional, mantendo-se através de receitas próprias (notadamente pelas anuidades cobradas dos profissionais que se sujeitam ao poder de polícia exercido pelo respectivo Conselho); não se sujeitam às regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) e da Lei 4.320/1964 (Normas Gerais de Direito Financeiro) etc. Ponderou-se, a propósito, que esse caráter sui generis reconhecido às Autarquias Corporativas não é algo incomum ao Direito Administrativo brasileiro, haja vista as agências reguladoras, que também são autarquias sujeitas a um regime especial.
Diante desse cenário, justificou-se que a cobrança de anuidades (contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, também chamadas de “contribuições parafiscais”, nomenclatura referida pelo Min. Alexandre de Moraes), de natureza inegavelmente tributária, confere certa margem de conformação, ao legislador, na discriminação do regime jurídico aplicável aos Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas. E, no exercício dessa prerrogativa, o legislador estatuiu que os empregados dos Conselhos são regidos pela legislação trabalhista, nisso não existindo qualquer pecha de inconstitucionalidade, até porque não se exige lei para a criação dos seus cargos e para a fixação das respectivas remunerações.
Ou seja, pessoas jurídicas de direito público (CC, art. 44, IV). Precisamente por serem entidades autárquicas federais é que não se vislumbra incompatibilidade entre o art. 109, I, da CRFB e o art. 45 do CPC, assim redigido:
“Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, exceto as ações:
I - de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho;
II - sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho.”
Cf. art. 4º, parágrafo único, da Lei 9.289/1996.
E de outras leis, inclusive pré-constitucionais, que estabeleceram a aplicabilidade do regime celetista aos funcionários dos mais diversos Conselhos Profissionais.
Vencidos os Ministros Carmen Lúcia (Relatora), Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin (este, vencido apenas em parte).