Construção de usinas nucleares, depósito de lixo atômico e transporte de cargas radioativas. Proibição veiculada em norma estadual. Inconstitucionalidade. Competência privativa da União.
Pode a Constituição de um Estado-membro proibir a construção de usinas nucleares, o depósito de lixo atômico ou o transporte de cargas radioativas no seu território?
De um lado, temos na Constituição Federal o art. 21, XXIII — que atribui à União a competência privativa para explorar os serviços e as instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados — e o art. 22, XXVI — o qual confere à União a competência privativa para legislar sobre “atividades nucleares de qualquer natureza” —, bem como o art. 225, § 6º — segundo o qual “as usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal” para serem instaladas.
CRFB
Art. 21. Compete à União:
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais;
c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas;
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
De outro, avulta o art. 24, VI e XII, a consagrar a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre a proteção ao meio ambiente e a defesa da saúde.
CRFB
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
(...)
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
O STF definiu essa importante questão em recente precedente.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4973, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo julgou inconstitucional o art. 232, § 8º, da Constituição do Estado de Sergipe, que proibia a construção de usinas nucleares, o depósito de lixo atômico e o transporte de cargas radioativas no seu território.
Os ministros Edson Fachin, Marco Aurélio e Rosa Weber defenderam que a norma estadual se inseriria no contexto da competência concorrente entre a União e os Estados e Distrito Federal para legislar sobre a proteção ao meio ambiente e a defesa da saúde (CRFB, art. 24, VI e XII). Ficaram, no entanto, vencidos.
A maioria dos ministros acompanhou o relator do caso, ministro Celso de Mello, cujo voto apregoou que “todas as atividades relacionadas ao setor nuclear desenvolvidas no território nacional encontram-se, em face do ordenamento constitucional vigente, submetidas ao poder central da União Federal”, notadamente em função dos arts. 21, XXIII, 22, XXVI, e 225, § 6º, da CRFB, acima explicitados. Aliás, mesmo antes da CF de 1988 a jurisprudência do Supremo sobre o tema sempre estabeleceu a competência privativa da União para legislar em matéria de energia nuclear. Lembrou, nessa toada, a Lei 1.310/1951 — que submeteu ao controle estatal todas a atividades referentes ao aproveitamento da energia atômica e atribuiu ao presidente da República a competência para estabelecer, com o auxílio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e do Estado Maior das Forças Armadas, as diretrizes do programa nuclear brasileiro — e a Lei 4.118/1962 — que instituiu a Política Nacional de Energia Nuclear e o regime de monopólio da União.
Esse o quadro, guardemos: os Estados e o Distrito Federal (assim como os Municípios) não podem proibir, em suas respectivas legislações, a construção de usinas nucleares, o depósito de lixo atômico ou o transporte de cargas radioativas em seus territórios.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: