Desapropriações. Julgamento de mérito da ADI 2.332. Juros compensatórios. Taxa. Necessidade de comprovação, pelo proprietário, da perda de renda sofrida. Não incidência em caso de imóveis improdutivos.
Neste InfoEmagis em Pauta, vamos comentar um tema da mais alta relevância no estudo do Direito Administrativo, mais precisamente em matéria de desapropriações: quais os reflexos do julgamento do mérito da ADI 2332 na jurisprudência do STJ?
O STJ fez essa análise na PET 12344, analisada pela Primeira Seção. Foram muitos os pontos alterados na matéria, repercutindo em nada menos do que oito teses fixadas em recursos especiais repetitivos e quatro verbetes sumulares: com efeito, surgiram duas novas teses, duas teses foram canceladas, quatro teses restaram alteradas, três súmulas receberam nova interpretação e uma súmula foi ratificada.
Como se percebe, é preciso fazer uma análise particularizada, haja vista a complexidade desse julgamento e a grande importância da matéria, de recorrente cobrança em concursos públicos.
Bom, na primeira parte de nossa aula, vamos explicar o que restou decidido na ADI 2332 pelo STF e qual foi a guinada jurisprudencial que repercutiu sobremaneira no magistério pretoriano do STJ.
Podemos sintetizar o julgamento da ADI 2332 da seguinte forma:
(a) constitucionalidade da taxa de 6% ao ano à guisa de juros compensatórios, restando inconstitucional apenas a expressão “até” constante do caput do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941;
(b) necessidade de comprovação, pelo proprietário, da perda de renda sofrida como condicionante à incidência dos juros compensatórios, os quais não serão devidos em caso de imóvel improdutivo;
(c) inconstitucionalidade da limitação do valor dos honorários advocatícios a R$ 151.000,00.
Vamos pescrutrar, um a um, esses três tópicos.
(a) constitucionalidade da taxa de 6% ao ano à guisa de juros compensatórios, restando inconstitucional apenas a expressão “até” constante do caput do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941;
Convém rememorar que os juros compensatórios, em ações de desapropriação, são fruto de uma construção jurisprudencial (não contavam com previsão legal) elucubrada para compensar o desapropriado pela perda antecipada da posse nas ações de desapropriação em que há a imissão provisória na posse em favor do ente desapropriante (desapropriações diretas) ou no casos em que há o indevido apossamento administrativo do bem (desapropriações indiretas).
Veja-se o teor da Súmula 164 do STF:
“No processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência.” (Súm. 164 do STF)
Inicialmente, a jurisprudência adotava a taxa de 6% a título de juros compensatórios, com base no art. 1.063 do CC/1916. Não obstante, em virtude do grande impacto do fenômeno inflacionário, o STF passou a entender que a taxa de juros compensatórios aplicável às ações de desapropriação deveria ser de 12% (por aplicação analógica da vetusta Lei de Usura), editando, ainda em período anterior à CF/1988, a Súmula 618 do STF:
“Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano.” (Súm. 618 do STF)
Sobreveio, então, a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, que, alterando o caput do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941, passou a dispor que:
Decreto-Lei 3.365/1941
Art. 15A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.
Ajuizada a ADI 2332 pelo Conselho Federal da OAB, o STF, em decisão publicada em 13/09/2001, deferiu medida cautelar por reputar inconstitucional a diminuição da taxa de juros compensatórios para 6% ao ano, porquanto violaria a garantia da justa indenização e a Súmula 618 do STF. Precisamente por isso — e considerando a eficácia ex nunc dessa medida cautelar — o STJ acabou editando a sua Súmula n. 408:
“Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal." (Súm. 408 do STJ)
Sem embargo, no julgamento do mérito da ADI 2332, o Supremo mudou o seu posicionamento na matéria. Considerou-se que a taxa de 12% ao ano prevista na Súmula 618 do STF somente se justificava em época na qual a inflação era galopante, não havendo nenhuma inconstitucionalidade na sua redução para 6% operada pela Medida Provisória n. 1.577/1997. Apenas se teve por inconstitucional a expressão “até” (constante do caput do precitado art. 15-A), uma vez que gerava insegurança jurídica ao sinalizar a possibilidade de que o juiz, de forma subjetiva, reduzisse ainda mais essa taxa.
De resto, o STF manteve o entendimento já esboçado no julgamento da medida cautelar na linha de que não há qualquer inconstitucionalidade no § 3º do art. 15-A, o qual expressa que o disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença.
Por outro lado, ratificou a inconstitucionalidade do § 4º do art. 15-A — segundo o qual não poderia o Poder Público ser onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação —, ao argumento de que a eventual venda do bem a terceiro faz com que os direitos do antigo proprietário sobre o imóvel sejam transmitidos ao adquirente, inclusive, se for o caso, o direito à percepção de juros compensatórios a contar da indevida ocupação pelo Poder Público (desapropriações indiretas ou apossamentos administrativos).
Decreto-Lei 3.365/1941
Art. 15A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.
(...)
§ 3o O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença.
§ 4o Nas ações referidas no § 3o, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação.
(b) necessidade de comprovação, pelo proprietário, da perda de renda sofrida como condicionante à incidência dos juros compensatórios, os quais não serão devidos em caso de imóvel improdutivo;
Com relação à necessidade de comprovação de perda de renda para a incidência dos juros compensatórios e à impossibilidade de sua incidência em caso de imóvel improdutivo, o Supremo teve por constitucionais os §§ 1º e 2º do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941, incluídos pelas Medidas Provisórias 1901-30/99 e MP 2027-38/00, respectivamente:
Decreto-Lei 3.365/1941
Art. 15-A. (...)
§ 1o Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário.
§ 2o Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero.
Frise-se que, na análise da medida cautelar (ADI 2332), o STF havia suspendido a incidência de tais preceitos por tê-los contrários à garantia constitucional da justa indenização, sobretudo (i) porque o fato de o imóvel não estar produzindo renda não afastaria o direito do desapropriado de ser compensado pela perda antecipada da posse (já que a perda da propriedade só ocorrerá após o trânsito em julgado, com o pagamento integral da indenização) e (ii) porque a circunstância de o imóvel ser improdutivo não significa que não poderia ser tornado produtivo pelo proprietário, de sorte que a perda antecipada da posse também mereceria ser compensada por intermédio dos juros compensatórios.
Todavia, no julgamento do mérito da ADI 2332, o Supremo alterou o seu entendimento e chancelou a constitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 15-A, ao argumento de que não há justificativa legítima para fazer incidir juros compensatórios em casos nos quais não há a perda de renda pelo proprietário ou em que o imóvel for improdutivo.
(c) inconstitucionalidade da limitação do valor dos honorários advocatícios a R$ 151.000,00.
Por fim, questionava-se na ADI 2332 a alteração promovida pela Medida Provisória 2.027-43/2000 no § 1º do art. 27 do Decreto-Lei 3.365/1941:
Decreto-Lei 3.365/1941
Art. 27. (...)
§ 1o A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4o do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais).
No julgamento do mérito, o Supremo confirmou o mesmo entendimento adotado pela Corte na análise da medida cautelar, no sentido de que há inconstitucionalidade na limitação em R$ 151.000,00 dos honorários advocatícios devidos em ações de desapropriação, conquanto não haja incompatibilidade com a Constituição relativamente às balizas adotadas pelo preceito impugnado (meio e cinco por cento do valor da diferença entre o valor da indenização e o preço oferecido pelo desapropriante initio litis). Noutras palavras, o § 1º do art. 27 do Decreto-Lei 3.365/1941 foi considerado constitucional, apenas sendo incompatível com a Constituição a limitação do valor dos honorários advocatícios a R$ 151.000,00.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
Frise-se que há um erro na ementa do acórdão da ADI 2332, mais precisamente na parte em que o Min. Roberto Barroso fala que o § 3º do art. 15-A teria sido declarado inconstitucional e o § 4º teria sido declarado constitucional. Com efeito, a leitura do inteiro teor do acórdão, das notas taquigráficas e da certidão de julgamento não deixa dúvidas de que, em realidade, o § 3º do art. 15-A foi declarado constitucional, enquanto que o § 4º restou declarado inconstitucional.