Expropriação confiscatória. CRFB, art. 243. Bem público. Inaplicabilidade. ACO 2187.
Operação da Polícia Federal desmantelou esquema criminoso que se encarregava do cultivo de nada menos do que 936 pés de maconha (cannabis sativa linneu), em uma área de 678 hectares situada na pequena Belém do São Francisco/PE (na região conhecida como “Polígono da Maconha), ocupada por posseiros.
A titularidade do imóvel onde localizada a plantação espúria, no entanto, é do Estado de Pernambuco. Nesse contexto, indaga-se: é cabível a expropriação prevista no art. 243 da Carta Política?
Vamos relembrar, de início, os contornos do instituto predisposto no aludido dispositivo constitucional.
A teor do art. 243, caput, da Lei Maior, as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Note-se, por oportuno, que foi a EC 81/14 que previu a expropriação em caso de exploração de trabalho escravo, ao lado da expropriação relacionada às culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Em relação ao rito da ação em que se busca a expropriação de tais glebas, vem tracejado na Lei 8.257/91.
CRFB
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Como se percebe, não se trata tecnicamente de desapropriação, uma vez que não há qualquer indenização do particular expropriado. É, sim, um autêntico confisco autorizado constitucionalmente, de caráter sancionatório, que se implementa à míngua de qualquer espécie de indenização do proprietário.
Gleba, para os fins do art. 243 da CRFB, deve ser entendida como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Perceba-se que a expropriação recai sobre a gleba, como um todo, e, não, apenas sobre a parcela do imóvel onde verificado o cultivo de plantas psicotrópicas (ou a exploração do trabalho escravo). A jurisprudência, a respeito, tem rechaçado uma suposta “desproporcionalidade” entre a área onde é realizado o cultivo de plantas psicotrópicas e a área total do imóvel (gleba) como fundamento para que a expropriação fosse restrita somente à área do cultivo espúrio. Ou seja, a expropriação, de fato, recairá sobre a área total do imóvel, mesmo que esta seja significativamente superior à área onde é cultivada a planta psicotrópica.
"1. Gleba, no artigo 243 da Constituição do Brasil, só pode ser entendida como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O preceito não refere áreas em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, mas as glebas, no seu todo. (...) 5. O entendimento sufragado no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de expropriar-se 150 m2 de terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 6. Não violação do preceito veiculado pelo artigo 5º, LIV da Constituição do Brasil e do chamado "princípio" da proporcionalidade. Ausência de "desvio de poder legislativo" (...)" (RE 543974, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2009, DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-08 PP-01477 RTJ VOL-00209-01 PP-00395)
Por outro lado, impende salientar que a responsabilidade do proprietário é de caráter subjetivo, podendo ser afastada desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in elegendo. Ou seja, é ônus do proprietário comprovar que não obrou com culpa. Segundo o STF, a responsabilidade do proprietário, “embora subjetiva, é bastante próxima da objetiva”, já que a sua culpa é presumida e somente será afastar se comprovar o contrário.
"A expropriação prevista no art. 243 da CF pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que “in vigilando” ou “in elegendo”. (...) Asseverou que a redação dada ao art. 243 pela Emenda Constitucional 81/2014, além de incluir a exploração de trabalho escravo como nova hipótese de cabimento do confisco, suprimiu a previsão de que a expropriação seria imediata e inseriu a observância dos direitos fundamentais previstos no art. 5º, no que couber. Salientou que o instituto previsto no art. 243 da CF não é verdadeira espécie de desapropriação, mas uma penalidade imposta ao proprietário que praticou a atividade ilícita de cultivar plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão sanitário do Ministério da Saúde. Portanto, a expropriação é espécie de confisco constitucional e tem caráter sancionatório. Ressaltou que em nenhum momento a Constituição menciona a participação do proprietário no cultivo ilícito para ensejar a sanção, mas que não se pode negar que a medida é sancionatória, exigindo-se algum grau de culpa para sua caracterização. Concluiu que a responsabilidade do proprietário, embora subjetiva, é bastante próxima da objetiva." RE 635336/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14.12.2016. (RE-635336)
Bem situados no tema, voltemos à pergunta inicial: o fato de o imóvel rural onde localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ser de titularidade do Estado de Pernambuco interfere no acionamento do multicitado art. 243?
Para o STF, a resposta é positiva.
No julgamento da Ação Cível Originária (ACO) 2187, o Supremo endossou o raciocínio de que, se o bem já é público, sua expropriação para mera alteração de titularidade em nada contribui para o alcance da finalidade prevista no artigo 243 da CRFB. Ademais, entendeu-se que, ante o escopo sancionatório do confisco, sua aplicação depende da prática de delito ou sua aquiescência pelo titular do imóvel, o que seria absurdo em caso de bem pertencente a ente público. Noutras palavras, como não se pode cogitar de prática antijurídica (cultivo ilegal de plantas psicotrópicas) por pessoa jurídica de direito público, descabe a incidência do mandamento constitucional em liça quando se cuidar de bem público.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: