Licença ambiental. Construção de centrais hidrelétricas e termelétricas. Submissão a autorização da Assembleia Legislativa. Separação de poderes. Inconstitucionalidade. ADI 6350.
O art. 279 da Constituição do Estado de Mato Grosso condiciona a expedição de licença ambiental para a construção de centrais hidrelétricas e termelétricas, no âmbito daquele ente federativo, a prévia autorização da Assembleia Legislativa.
Pode isso, Arnaldo?
A regra não é clara (diferentemente do que diria o Arnaldo; futebolistas entenderão), mas, bem interpretada a Constituição Federal, a resposta é negativa.
A discussão gravita ao redor do alcance do princípio da separação dos Poderes (CRFB, art. 2º).
Para o STF, no recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6350. as licenças ambientais são atividades típicas do Poder Executivo, relacionadas ao exercício do poder de polícia (polícia administrativa). Condicionar a aprovação de licenciamento ambiental à prévia autorização da Assembleia Legislativa, nesse contexto, implicaria indevida interferência do Poder Legislativo na atuação do Poder Executivo, violando o princípio da separação dos Poderes (CRFB).
A par disso, destacou-se que as normas gerais relativas ao licenciamento ambiental são de competência da União (CRFB, art. 24, inciso VI), segundo entendimento firmado pela Corte na ADI 1086 e confirmado na ADI 4272. Desse modo, não havendo nas normas gerais editadas pela União (notadamente na Lei 6.938/1981, que cuida da Política Nacional do Meio Ambiente) a previsão dessa autorização prévia pela Assembleia Legislativa para que a licença ambiental de construção de centrais hidrelétricas e termelétricas seja expedida, tem-se mais um argumento para a declaração da inconstitucionalidade do aludido art. 279 da Constituição do Mato Grosso.
No mais, é interessante notar que o STF, no precedente em liça, acabou por reconhecer que a concessão de licenças ambientais é matéria sujeita a reserva de administração. Mas o que é isso, afinal?
A ideia de reserva de administração tem estreita relação com o princípio da separação de poderes (CRFB, art. 2º). Representa um núcleo funcional da administração ‘resistente’ à lei (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 739). Ou seja, não se admite, em casos de reserva de administração, a ingerência do legislador; ele não pode, pois, retirar determinadas matérias do âmbito exclusivo da Administração Pública. Por exemplo, não pode o legislador exigir que a Administração seja previamente autorizada pelo Legislativo como condição para assinatura de contratos administrativos, tampouco pode impedir ou evitar a autotutela administrativa.
(...) RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES – O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político-administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por ato legislativo, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação “ultra vires” do Poder Legislativo, que não pode, em sua condição político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (ADI 2364, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 06-03-2019 PUBLIC 07-03-2019)
“(…) No mais, a Corte compreendeu ser vedado à legislação estadual submeter à aprovação prévia da Assembleia Legislativa a nomeação de dirigentes das autarquias e das fundações públicas, de presidentes das empresas de economia mista e assemelhados, de interventores de municípios, bem assim dos titulares da Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado.
Além de não ser possível submeter à arguição do Legislativo a nomeação de titulares de fundações e autarquias, é ilegítima a intervenção parlamentar no processo de preenchimento da direção das entidades privadas da Administração indireta dos estados. A escolha dos dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas.
(…) O ministro Roberto Barroso aduziu caber a submissão ao Legislativo, em âmbito estadual, apenas daquilo que consta do modelo constitucional federal, sob pena de afronta à reserva de administração, corolário da separação dos Poderes e das competências privativas do chefe do Executivo de dirigir a Administração Pública. Ao excluir da sabatina prévia os dirigentes das autarquias, ressalvou a situação dos membros de agências reguladoras, que são autarquias especiais. Pela legislação, os conselheiros, no modelo federal, são submetidos à aprovação do Poder Legislativo.” ADI 2167/RR, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 3.6.2020. (Inf. 980 do STF)
Nesse compasso, fala-se em:
a) reserva geral de administração: reconhece-se a existência de um “núcleo essencial” de competência dos órgãos administrativos, que não pode ser invadido pelo legislador, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes (CRFB, art. 2º);
b) reserva específica de administração: ocorre quando a Constituição destaca especificamente determinadas matérias e as remete, com exclusividade, ao trato pela Administração.
No caso em apreço, portanto, estava-se diante de hipótese de reserva geral de administração.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: