Loterias. Competência material. Exploração pelos Estados. Possibilidade. Arts. 1º e 32, caput e § 1º, do Decreto-Lei 204/1967. Não-recepção pela CF/1988. ADPF 492, ADPF 493 e ADI 4986.
Como sabemos, é da competência privativa da União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
Nessa toada, a Súmula Vinculante n. 2 apregoa a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.
“É inconstitucional a lei ou ato normativo Estadual ou Distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.” (SV 2)
Mas...e se eu lhe disser que “não é bem desse jeito não”, o que você me diria?
Como assim, professor?
Os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do Decreto-Lei 204/1967 estatuem o seguinte:
Art 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei.
Art 32. Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente Decreto-lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais.
§ 1º As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar as suas emissões ficando limitadas às quantidades de bilhetes e séries em vigor na data da publicação dêste Decreto-lei.
Em recentíssima decisão, o STF julgou procedentes as ADPFs 492 e 493 para declarar que os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do Decreto-Lei 204/1967, que tratam da exclusividade da União para explorar loterias, não foram recepcionados pela Constituição de 1988. Na mesma ocasião, foi julgada improcedente a ADI 4986, na qual se discutia se as normas do Estado de Mato Grosso que regulamentam a exploração de loterias teriam invadido a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios.
O STF, então, cancelou a SV 2?
Não. Com esse julgado, no entanto, o alcance e o sentido desse verbete sumular dotado de eficácia vinculante ficam melhores delimitados.
O Supremo decidiu que, a despeito da competência privativa da União para legislar sobre a matéria, a atividade de exploração de loterias consubstancia prestação de serviço público e pode ser desenvolvida pelos Estados, um vez que a União não detém monopólio quanto a essa exploração. De fato, a Constituição não atribui à União essa exclusividade e não proibiu, expressa ou implicitamente, o funcionamento de loterias estaduais.
Nesse compasso, não poderia a União impor a qualquer ente federativo restrição à exploração de serviço público para além dos limites já traçados no próprio Texto Constitucional; nada obstante, os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do Decreto-Lei 204/1967 acabaram por esvaziar a competência supletiva dos Estados para a prestação dos serviços públicos que não foram expressamente reservados pela Constituição à exploração pela União (CRFB, art. 25, § 1º). Desse modo, há abuso do poder de legislar no fato de a União pretender excluir os demais entes federados dessa atividade e, com isso, retirar-lhes importante fonte de receitas.
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Noutras palavras, a competência privativa da União para legislar em matéria de sistemas de consórcios e sorteios (CRFB, art. 22, XX) não pode atravancar a competência material dos Estados para explorar as atividades lotéricas nem para regulamentar essa exploração. Veja, no entanto, que somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas passíveis de exploração pelos Estados: as legislações estaduais que instituem loterias devem apenas viabilizar o exercício de sua competência material de instituição de serviço público titularizado pelo Estado membro, observadas as diretrizes nacionais dispostas pela legislação federal.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: