STF, ADI 4928. Anistia administrativa. Competência da Assembleia Legislativa. Iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Vício de iniciativa.
A competência para conceder anistia é da União e é exercida pelo Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República.
CRFB
Art. 21. Compete à União:
(...)
XVII - conceder anistia;
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
(...)
VIII - concessão de anistia;
Opera-se, portanto, através de lei federal que materialize a renúncia ao poder-dever de punir em virtude de razões de necessidade ou conveniência política. Ex.: Lei 6.683/1979 (art. 1º); Lei 9.639/1998 (art. 11).
Lei 6.683/1979
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado).
§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
Lei 9.639/1998
Art. 11. São anistiados os agentes políticos que tenham sido responsabilizados, sem que fosse atribuição legal sua, pela prática dos crimes previstos na alínea "d" do art. 95 da Lei no 8.212, de 1991, e no art. 86 da Lei no 3.807, de 26 de agosto de 1960.
De que tipo de anistia estamos cuidando? Da anistia em matéria penal, que é causa de extinção da punibilidade (CP, art. 107, II). Consiste no esquecimento jurídico da infração. Atinge, pois, fatos, e não pessoas. Sua eficácia é ex tunc (retroativa), cessando os efeitos penais da sentença penal condenatória.
Não interfere, portanto, nos efeitos civis da sentença penal condenatória (ex.: obrigação de reparação do dano), que podem ser exigidos com base no título judicial. Pode alcançar, inclusive, a medida de segurança.
Se até mesmo se admite o esquecimento de uma infração penal, não há porque não aceitar a anistia de uma infração meramente administrativa, não é mesmo? De fato, não há nenhum problema em que, por lei, se conceda a anistia de, por exemplo, infrações funcionais perpetradas por servidores públicos.
Nessa hipótese de concessão de anistia a infrações administrativas, a competência também será privativa da União? A resposta é negativa. Cada ente federado detém autonomia político-administrativa para disciplinar as relações estatutárias mantidas com seus próprios servidores públicos. Consequentemente, admite-se que um Estado ou um Município, por meio de lei local, estabeleça a anistia quanto às repercussões funcionais de atos ou omissões imputados a seus próprios servidores públicos estatutários.
É importante, no entanto, observar a iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo em temas que afetem seus servidores públicos, consoante prevê o art. 61, § 1º, II, ‘c’, da CF (norma que, em obséquio ao princípio da simetria, é de reprodução obrigatória em âmbito estadual, distrital e municipal, por dizer respeito à separação de Poderes):
CF
Art. 61. (...)
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(...)
II - disponham sobre:
(...)
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
Recentemente, o STF analisou a constitucionalidade de lei estadual que concedera anistia a policiais civis, militares e bombeiros estaduais:
Lei 7.428/2012 do Estado de Alagoas
“Art. 1º Fica concedida anistia administrativa aos policiais civis, militares e bombeiros estaduais aos quais se atribuem condutas tipificadas como infrações administrativas ou faltas disciplinares relacionadas aos movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e de condições de trabalho ocorridos entre maio e junho de 2011.”
Não se reconheceu a impossibilidade de concessão de anistia a infrações administrativas praticadas por servidores públicos. O que houve, sim, foi violação ao princípio da separação de Poderes (CF, art. 2º) em razão de a lei estadual em tela ter se originado em projeto de iniciativa parlamentar, inobservando, portanto, a iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, ‘c’).
Eis a notícia do julgado tal qual trazida pelo Informativo do STF:
Lei estadual: anistia administrativa e policiais civis, militares e bombeiros - ADI 4928/AL É inconstitucional lei estadual de iniciativa parlamentar que disponha sobre a concessão de anistia a infrações administrativas praticadas por policiais civis, militares e bombeiros.
A Constituição Federal (CF) reserva ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos [art. 61, § 1º, II, c e e (1)], no que se enquadra a legislação que concede anistia a infrações administrativas praticadas por servidores civis e militares de órgãos de segurança pública.
Ademais, sob o ângulo material, a norma invade matéria reservada a órgãos administrativos, em contrariedade ao princípio da separação dos Poderes (2).
Com esses entendimentos, o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.428/2012 do Estado de Alagoas (3). Vencido o ministro Marco Aurélio (relator). ADI 4928/AL, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 8.10.2021 (sexta-feira), às 23:59
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: