STF, ADI 6476. Concurso público. Prova de aptidão física. Pessoas com deficiência. Direito à adaptação razoável.
O Decreto 9.508/18 versa sobre a reserva, às pessoas com deficiência, de percentual de cargos e de empregos públicos ofertados em concursos públicos e em processos seletivos no âmbito da administração pública federal direta e indireta.
Dando nova redação aos arts. 3º, VI, e 4º, § 4º, desse Decreto, o Decreto 9.546/18 acabou por permitir interpretação que conduzia à exclusão da necessidade de adaptação das provas físicas para os portadores de deficiência, além de ensejar a conclusão de que os critérios de aprovação nessas etapas poderiam ser os mesmos aplicados aos demais candidatos (não portadores de deficiência).
A ADI 6476, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), questionou a constitucionalidade dessas alterações promovidas pelo Decreto 9.546/18. E, para o Supremo, devem ser afastadas interpretações desse ato normativo que impliquem violação à Carta Maior.
O relator do processo, Min. Roberto Barroso, lembrou que o art. 7º, XXXI, da CF consagra, como direito social, a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Sublinhou, outrossim, a garantia constitucional que reserva percentual de cargos e empregos públicos às pessoas com deficiência (CF, art. 37, VIII) e chamou a atenção, ainda, para a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — firmada em Nova York no ano de 2007 e incorporada à ordem jurídica brasileira com o status de emenda constitucional, por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF (Decreto Legislativo 186/2008) —, a qual proíbe qualquer tipo de discriminação em razão da deficiência que tenha o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Acenou, também, para o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), o qual veda qualquer discriminação, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão e exames admissional e periódico, bem como a exigência de aptidão plena.
Sob a luz desse panorama legislativo, compreenderam os Ministros, à unanimidade, que a exclusão da previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência não se harmoniza com o bloco de constitucionalidade consubstanciado pela Constituição Federal e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD. Com base nesse entendimento, julgou-se procedente pedido formulado na ADI, a fim de fixar interpretação conforme a Constituição, no sentido de que: (i) o art. 3º, VI, do Decreto 9.508/2018 estabelece uma faculdade em favor do candidato com deficiência, que pode fazer uso de suas próprias tecnologias assistivas e de adaptações adicionais, se assim preferir; e (ii) o art. 4º, § 4º, do Decreto 9.508/2018 — que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência — somente é aplicável às hipóteses em que essa exigência for indispensável ao exercício das funções próprias de um cargo público específico. Além disso, restaram firmadas teses que contribuem de modo importante com a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência, promovendo-lhes a sua ínsita dignidade e prestigiando a isonomia material, para além de uma igualdade meramente formal.
Eis como ficaram redigidas: “(i) É inconstitucional a interpretação que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos; (ii) É inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública.”
Sem dúvida, possuem grande alcance o julgado e as teses nele assentadas, trazendo importantes diretrizes a serem seguidas nos diversos concursos públicos e processos seletivos em que existentes provas de aptidão física a que devam se sujeitar candidatos portadores de deficiência.
De resto, cumpre recordar que o STF já havia enfrentado discussão semelhante no RE 676335, em que se considerou inconstitucional a presunção de que nenhuma das atribuições dos cargos de natureza policial poderia ser desempenhada por pessoas com deficiência, devendo eventual incompatibilidade com a função ser avaliada segundo os princípios do concurso público, da legalidade, da igualdade e da impessoalidade.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: