STF, ADI 6728-AgR. Governador afastado. Ilegitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.
A Carta Maior consagra a legitimidade do Governador de Estado ou do Distrito Federal para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, mais precisamente em seu art. 103, V:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
O magistério doutrinário — no que encontra conforto na jurisprudência do Excelso Pretório — confirma que essa legitimidade não é do Estado (ente federal), e, sim, do próprio Governador.
Sobre o tema, ensinam Gilmar Mendes e Paulo Gonet:
“Outra questão relevante a respeito do direito de propositura do Governador afeta a sua capacidade postulatória. Conforme já referido, o Supremo Tribunal Federal entende que cabe ao próprio Governador firmar a petição inicial, isoladamente, ou, se for o caso, juntamente com o Procurador-Geral do Estado ou outro advogado. Entende o STF que o direito de propositura é atribuído ao Governador do Estado e não à unidade federada. Também seriam ineptas as ações diretas propostas, em nome do Governador, firmadas exclusivamente pelo Procurador-Geral do Estado” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, versão digital).
Esclareça-se, outrossim, que não se trata de legitimidade universal, sendo necessária a demonstração da chamada pertinência temática, segundo pacífico entendimento do Supremo (v.g., ADI 2.747, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ de 17/8/2007; ADI-MC-AgR 1.507, Rel. Min. Carlos Velloso, TribunalPleno, DJ de 22/9/1995).
Bem situados na matéria, avancemos para a análise do importante precedente do plenário do STF que trazemos à baila nesta edição do InfoEmagis em Pauta (ADI 6728-AgR).
Sabe-se que o Governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel — o qual, recentemente, perdeu o mandato em processo de impeachment —, havia sido afastado cautelarmente de suas funções por determinação da Corte Especial do STJ (CF, art. 105, I, ‘a’), em processo criminal que tem curso no Tribunal da Cidadania.
Durante o período em que estava afastado do cargo, Wiltzel ingressou com ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, pugnando fosse reconhecida a impossibilidade de ficar afastado de suas funções por mais de 180 dias, em uma pretensa interpretação conforme à Constituição do art. 319, VI, do Código de Processo Penal e do art. 147, caput e §§1.º e 2.º, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
O Relator do caso, Min. Edson Fachin, reconheceu, monocraticamente, a ilegitimidade ativa ad causam, ao argumento de que o Governador estava afastado de suas funções e, por isso, não poderia propor ação direta de inconstitucionalidade.
Inconformado, Witzel interpôs agravo (art. 4º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999) para que o Tribunal Pleno analisasse a questão. Sua tese: o afastamento de suas funções determinado pelo STJ somente o afastaria de suas funções administrativas, mas não atravancaria o exercício das suas “funções de representação” (sic), no que estaria compreendida a legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade.
No exame do recurso, a Corte manteve a decisão monocrática do Min. Fachin.
Prevaleceu o entendimento de que, muito embora a legitimidade não seja do Estado (ente federado) — mas, sim, do seu Governador, como vimos acima —, isso não significa que se trate de alguma prerrogativa da pessoa natural que ocupa o cargo. À luz da teoria do órgão e do princípio da impessoalidade (CF, art. 37, caput), reconheceu-se que a legitimidade para ajuizar ADI ou ADC insere no plexo de atribuições do cargo de Governador de Estado ou do Distrito Federal, de sorte que somente quem está no seu efetivo exercício detém essa atribuição processual. Com o afastamento determinado por decisão judicial do STJ, tem-se a suspensão do liame entre o cargo e seu titular, retirando-lhe a possibilidade de exercício das correlatas funções legais e constitucionais.
Em suma, em caso de afastamento (mesmo que cautelarmente) do titular do cargo de Governador de Estado ou do Distrito Federal, a legitimidade para o exercício das respectivas competências — inclusive da atribuição para propor ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, V) — é exclusivamente daquele que é chamado a substituí-lo (no caso, o Vice-Governador), não podendo o Governador afastado exercê-las de forma simulatânea ou paralela com quem o ocupa interinamente.
Finalizamos com a transcriação da ementa desse interessante precedente:
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL. GOVERNADOR DE ESTADO AFASTADO DO CARGO POR MEDIDA CAUTELAR. PROPOSITURA DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. O afastamento cautelar de cargo de Governador de Estado, suspendendo o exercício das funções públicas respectivas, implica a ilegitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, na forma do art. 103, V, da Constituição da República. 2. Subsistem, portanto, os fundamentos para negar seguimento à ação direta, em virtude da ilegitimidade ad causam do Requerente. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ADI 6728 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 13-05-2021 PUBLIC 14-05-2021)
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
[1] A Lei 9.882/1999, em seu art. 2º, I, também assegura a legitimidade do Governador de Estado e do Distrito Federal para ajuizar arguição de descumprimento de preceito fundamental.