Informativos do STF

STF, ADPF 219. Fazenda Pública em Juízo. Juizados Especiais. Execução invertida. Constitucionalidade.

Você sabe o que é a “execução invertida”?

Na sistemática prevista no CPC, o cumprimento de sentença condenatória (que reconhece obrigação de pagar quantia certa) exige que o requerimento do exequente venha acompanhado de demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (CPC, art. 524).

No âmbito dos Juizados Especiais, considerados os princípios que os inspiram (simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual, dentre outros), a Lei 9.099/1995 estatui, em seu art. 52, II, que “os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial”, tudo para facilitar o acesso à Justiça nas causas cíveis de menor complexidade (próprias à competência dos Juizados – CF, art. 98). Especificamente nos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/2001) e nos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (Lei 12.153/2009), não se tem regra específica sobre o ponto. 

Como se percebe, não existe qualquer previsão legal expressa que indique a possibilidade de o juiz determinar, nas execuções contra a Fazenda Pública, que esta apresente os cálculos dos valores devidos à parte exequente.

Em que pese a ausência de expressa disposição legal, é comum — especialmente nas execuções contra a Fazenda Pública processadas perante Juizados Especiais — a determinação judicial direcionada ao ente público executado para a apresentação dos cálculos dos valores devidos ao exequente. Tem-se, nisso, uma autêntica inversão do rito legal. Daí falar-se em “execução invertida”. 

A fim de questionar um conjunto de decisões judiciais proferidas pelos Juizados Especiais Federais, que vêm adotando o rito da chamada “execução invertida”, o Presidente da República ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 219). Sem sucesso, no entanto. Julgando esta ação, o STF definiu que são legítimas tais decisões.

Para o Supremo, a execução invertida, especialmente no caso de pessoas com poucas condições econômicas, atende aos princípios da simplicidade, da economia processual e da celeridade que regem os Juizados Especiais. Além disso, o dever de colaboração imputado à Fazenda Pública tem arrimo nos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da eficiência administrativa (CF, art. 37, caput).

Enfatizou-se, outrossim, que, em todas as condenações impostas à Fazenda Pública, a entidade respectiva têm as informações relativas ao processo e realiza seus próprios cálculos em ordem a verificar se é necessário impugnar os valores apresentados pela parte exequente. Se, por um lado, o poder público tem condições de elaborar o cálculo referente às ações de menor complexidade que tramitam nos Juizados Especiais, muitas vezes a demanda é ajuizada sem advogado, não dispondo a parte autora do conhecimento necessário para discriminar juros, correção monetária e outros aspectos necessários para a apuração do crédito exequendo. Lembrou-se, nesse sentido, que os Juizados Especiais foram criados para cumprir o mandamento inscrito no art. 98 da Carta Maior, visando ampliar o acesso à Justiça e, simultaneamente, reduzir a duração e os custos do processo. Nesse contexto, sendo frequente que as ações em trâmite nos Juizados tenham como parte pessoas hipossuficientes, a inversão da obrigação de apresentar os cálculos na fase de execução do julgado — imposta à Fazenda Pública executada, e não à parte exequente — se afigura legítima e prestigia os princípios da simplicidade, da informalidade e da economia processual, que timbram a jurisdição prestada no terreno dos Juizados Especiais.

Para finalizar, vale a leitura da síntese desse importantíssimo julgado, trazido no Informativo 1018 do STF:

Não ofende a ordem constitucional determinação judicial de que a União proceda aos cálculos e apresente os documentos relativos à execução nos processos em tramitação nos juizados especiais cíveis federais, ressalvada a possibilidade de o exequente postular a nomeação de perito. Entre os princípios que regem o microssistema processual dos juizados especiais federais — versados na Lei 9.099/1995 e na Lei 10.259/2001 — estão os da simplicidade, da economia processual e da celeridade. A legislação potencializa o acesso à Justiça. Em regra, é do credor a iniciativa nas execuções civis, cabendo-lhe instruir a execução com os cálculos da obrigação materializada no título. Apesar disso, não há vedação legal a que se exija a colaboração do executado, principalmente quando se trata de ente da Administração Pública federal. No âmbito dos referidos juizados, tudo indica ser possível a inversão da ordem. A relação estabelecida entre o particular que procura o juizado e a União é evidentemente assimétrica. Logo, impõe-se potencializar os poderes conferidos pelo Código de Processo Civil (CPC) ao magistrado para restabelecer a efetiva igualdade entre as partes. No mais, a leitura atual do papel exercido pela Administração Pública dá primazia ao interesse público primário. A própria legislação dos juizados pressupõe que a Administração agirá no intuito de buscar a efetividade dos direitos dos administrados. Exigir que exista sempre a intervenção de perito designado pelo juízo revela incompatibilidade com os princípios da economia processual, da celeridade e da efetividade do processo. A nomeação de perito representa custo ao Erário com os honorários correspondentes. Além disso, os cálculos efetuados deverão ser posteriormente revistos pela própria Administração fazendária a fim de verificar o acerto do valor apurado. De igual modo, se o exequente apresentar valor excessivo, como devido, pois, caberá à Fazenda declarar de imediato o valor que entenda correto. Em última análise, o dever de colaboração imputável ao Estado decorre dos princípios da legalidade, da moralidade, da eficiência, e do subprincípio da economicidade. Por fim, o credor pode fazer absoluta questão da realização dos cálculos por terceiro imparcial. Em tais hipóteses, dependentes de requerimento do exequente, o processo legal conduz ao reconhecimento dessa prerrogativa, incumbindo ao Estado viabilizar a atuação do perito. Na espécie, trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada em face de um conjunto de decisões judiciais proferidas por juizados especiais federais que atribuem à União o ônus de apurar ou indicar, nos processos em que figurar como executada, o valor devido à parte exequente (Informativo 831). O Plenário julgou improcedente o pedido formulado na ação, nos termos do voto do ministro Marco Aurélio (relator). ADPF 219/DF, relator Min. Marco Aurélio, julgamento em 20.5.2021”

Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:




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