STF, RE 1.237.867. Servidor público. Pai/mãe ou responsável legal de pessoa com deficiência. Direito à jornada de trabalho reduzida. Compensação de horário ou redução vencimental. Descabimento. Tema 1.097/RG.
Situação Fática: Joana da Silva, servidora pública municipal, é mãe de Enzo, nascido em 25/12/2019. Devido ao comportamento de Enzo, Joana levou-o a uma consulta e, após uma série de exames, veio à tona o diagnóstico de Autismo - Nível 3, com indicação de uma série de tratamentos correlatos: terapia, acompanhamento psicopedagógico, fonoaudióloga, medicamentos etc. Pela significativa alteração da sua rotina, Joana requereu à Administração a concessão de horário especial, sem redução de vencimentos ou necessidade de compensação de horário.
Em resposta ao seu requerimento, a Administração respondeu que o pedido não poderia ser atendido devido à falta de base legal no Estatuto dos Servidores Públicos Civis daquele ente federativo.
Controvérsia: Servidor(a) público(a) estadual ou municipal que é pai/mãe ou responsável legal por filho ou dependente portador de deficiência tem direito a horário especial, sem redução de vencimentos ou necessidade de compensação de horário, mesmo que a lei local não preveja expressamente essa prerrogativa?
Decisão: Para o STF, aplica-se, por analogia, aos servidores públicos estaduais e municipais que são pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência o direito à jornada de trabalho reduzida, sem necessidade de compensação de horário ou redução de vencimentos, nos moldes previstos para os servidores públicos federais na Lei 8.112/1990
Fundamentos: A Lei 8.112/90 - que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais - prevê, em seu art. 98, §§ 2º e 3º, a concessão de horário especial ao servidor portador de deficiência e ao que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, independentemente de compensação de horário ou de redução de vencimento.
Por sua vez, a Lei 12.794/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, dispõe, em seu art. 1º, § 2º, que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.
Fosse Joana da Silva, portanto, servidora pública federal, não haveria qualquer dúvida sobre o direito à concessão de horário especial, sem redução de vencimentos ou necessidade de compensação de horário (algo não exigido pela lei para essa hipótese, como se vê).
Sendo, no entanto, servidora municipal – e não trazendo a lei local semelhante previsão -, possui o mesmo direito dos servidores federais?
O STJ tem julgados reconhecendo a aplicação analógica da Lei 8.112/90 quando houver omissão da legislação local quanto a direito de cunho constitucional autoaplicável, e contanto que não implique aumento de gastos (v.g., REsp 1.826.962 e RMS 46.438).
No caso, inexiste, na legislação local, regramento semelhante ao art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei 8.112/90.
Presente a lacuna e não decorrendo aumento de gasto público da concessão de horário especial à servidora, o magistério jurisprudencial do STJ já sinalizaria haver espaço para a acolhida da pretensão autoral.
Mais importante, entretanto, é a recente decisão do Supremo Tribunal Federal tomada em situação idêntica àquela historiada no enunciado.
Com efeito, o Excelso Pretório, em repercussão geral, fixou tese no sentido de que “aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990.”.
Desse modo, da mesma forma que os servidores públicos federais, os servidores públicos estaduais e municipais que são pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência têm o direito à jornada de trabalho reduzida, sem necessidade de compensação de horário ou redução de vencimentos, nos moldes previstos para os servidores públicos federais na Lei 8.112/1990.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: