STF, RE 1003433. Tribunal de Contas estadual. Multa aplicada a agente público municipal por dano ao erário da respectiva municipalidade. Execução. Legitimidade. Município prejudicado.
No julgamento do ARE 823347, o STF, em repercussão geral, já havia rechaçado a legitimidade do Ministério Público para promover a cobrança judicial de condenação imposta por Tribunal de Contas, sedimentando a seguinte tese: Somente o ente público beneficiário possui legitimidade ativa para a propositura de ação executiva decorrente de condenação patrimonial imposta por Tribunais de Contas. (CF, art. 71, § 3º)” ARE 823347
O seguinte precedente do STJ bem explica a controvérsia e a evolução jurisprudencial na matéria: “A execução de título executivo extrajudicial decorrente de condenação patrimonial proferida por tribunal de contas somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação, não possuindo o Ministério Público legitimidade ativa para tanto. De fato, a Primeira Seção do STJ pacificou o entendimento no sentido de que o Ministério Público teria legitimidade, ainda que em caráter excepcional, para promover execução de título executivo extrajudicial decorrente de decisão de tribunal de contas, nas hipóteses de falha do sistema de legitimação ordinária de defesa do erário (REsp 1.119.377-SP, DJe 4/9/2009). Entretanto, o Pleno do STF, em julgamento de recurso submetido ao rito de repercussão geral, estabeleceu que a execução de título executivo extrajudicial decorrente de decisão de condenação patrimonial proferida por tribunal de contas pode ser proposta apenas pelo ente público beneficiário da condenação, bem como expressamente afastou a legitimidade ativa do Ministério Público para a referida execução (ARE 823.347-MA, DJe 28/10/2014). ” REsp 1.464.226-MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/11/2014. (2ª Turma)
Pairava dúvidas, ainda, sobre quem deteria legitimidade para promover a execução judicial de multa aplicada a agente público municipal, em razão de danos causados ao erário do Município. Seria a legitimidade da procuradoria do Estado ou da procuradoria do Município?
Para melhor compreendermos a controvérsia, cumpre rememorar que os Tribunais de Contas dos Estados e os Tribunais de Contas dos Municípios são órgãos estaduais, criados pela Constituição dos Estados:
CF
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.
Nesse contexto, poder-se-ia pensar que a legitimidade para a cobrança em juízo de condenação imposta por Tribunal de Contas do Estado ou dos Municípios (como órgão estadual) seria da procuradoria do Estado, ainda que envolvesse prejuízo ao erário de determinado Município. O STF, no entanto, fixou orientação no sentido de que será legitimada, em casos tais, a procuradoria do Município prejudicado, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do Estado. Noutras palavras, os Estados não têm legitimidade ativa para a execução de multas aplicadas, por Tribunais de Contas estaduais, em desfavor de agentes públicos municipais, que, por seus atos, tenham causado prejuízos a municípios.
Eis a tese fixada pelo STF em sede de repercussão geral: “O Município prejudicado é o legitimado para a execução de crédito decorrente de multa aplicada por Tribunal de Contas estadual a agente público municipal, em razão de danos causados ao erário municipal.” RE 1003433/RJ, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 14.9.2021 (terça-feira), às 23:59
De resto, apenas para que não se faça confusão, lembramos que o STF, no julgamento da ADI 3150, assentou a legitimidade prioritária do Ministério Público para promover a execução de multa de natureza penal (aplicada, portanto, em ação penal), com possibilidade subsidiária de cobrança pela procuradoria da Fazenda Pública caso o Ministério Público não o faça no prazo de 90 (noventa) dias:
“O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do art. 51 do Código Penal (CP) e, em conclusão de julgamento e por maioria, resolveu questão de ordem em ação penal no sentido de assentar a legitimidade do Ministério Público (MP) para propor a cobrança de multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública. O colegiado assentou que a Lei 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal que lhe é inerente, por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal (CF). Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do MP, perante a vara de execuções penais. Entretanto, caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de noventa dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980. O Plenário registrou que o art. 51 do CP, na redação que lhe havia sido dada pela Lei 7.209/1984, previa a possibilidade de conversão da multa em pena de detenção, quando o condenado, deliberadamente, deixasse de honrá-la. Posteriormente, a Lei 9.268/1996 deu nova redação ao dispositivo, referindo-se à multa como dívida de valor. Assim, a nova redação do referido dispositivo implicou duas consequências: i) não mais permite a conversão da pena de multa em detenção; e ii) a multa passou a ser considerada dívida de valor.
Contudo, dizer que a multa penal se trata de dívida de valor não significa dizer que tenha perdido o caráter de sanção criminal. A natureza de sanção penal dessa espécie de multa é prevista na própria CF, razão pela qual o legislador ordinário não poderia retirar-lhe essa qualidade.
Diante de tal constatação, não há como retirar do MP a competência para a execução da multa penal, considerado o teor do art. 129 da CF, segundo o qual é função institucional do MP promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Promover a ação penal significa conduzi-la ao longo do processo de conhecimento e de execução, ou seja, buscar a condenação e, uma vez obtida esta, executá-la. Caso contrário, haveria uma interrupção na função do titular da ação penal.
Ademais, o art. 164 da Lei de Execução Penal (LEP) é expresso ao reconhecer essa competência do MP. Esse dispositivo não foi revogado expressamente pela Lei 9.268/1996.”ADI 3150/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12 e 13.12.2018. (ADI-3150)
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
Lembre-se de que somente existe Tribunal de Contas do Município, como órgão municipal, em São Paulo/SP e no Rio de Janeiro/RJ, sendo vedada a criação de (outros) Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais (CF, art. 31, §§ 3º e 4º). No caso desses dois Tribunais de Contas do Município (São Paulo/SP e Rio de Janeiro/RJ), logicamente, não há dúvidas de que a legitimidade para cobrança judicial de suas condenações patrimoniais será da respectiva Procuradoria Municipal.