STF, RE 1049811. Contribuições sociais. PIS e COFINS: parcela não dedutível da base de cálculo (Tema 1024 RG).
Situação Fática: Determinado comerciante realiza parte de suas vendas à vista, recebendo o pagamento em dinheiro em espécie ou cheque, e parte de suas vendas através de transações mediante cartão de débito e crédito, hipótese em que tem o recebimento postergado e descontado um percentual que normalmente varia entre 1% e 3% pela administradora do cartão a título de taxa de intercâmbio (interchange fee).
Controvérsia: Teria o comerciante enquanto contribuinte de PIS e COFINS direito a abater essa taxa cobrada pela administradora do cartão da base de cálculo dessas contribuições sociais?
Decisão: Para o STF, não. O valor total da venda, ainda que o pagamento seja mediante cartão de crédito ou débito, é o que se entende por faturamento e receita, de maneira que o valor da taxa de intercâmbio, ainda que retido pela administradora do cartão, integra a base de cálculo das respectivas exações devidas pelo comerciante.
Fundamentos: O STF em regime de repercussão geral fixou a seguinte tese para o Tema 1.024: “É constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e débito.”.
A base econômica constante das normas de competência tributária para o PIS e a COFINS pode ser o faturamento ou a receita, nos termos dos arts. 195, I, ‘b’, e 239 da CF.
A base de cálculo do PIS e da COFINS para o regime cumulativo está nos arts. 2º e 3º da Lei 9.718/98 e para o regime não-cumulativo está nos arts. 1º, §§ 1º e 2º, das Leis 10.637/02 e 10.833/03, que preveem que as referidas contribuições à seguridade social incidem sobre o total das receitas auferidas no mês pelo contribuinte, que compreende a receita bruta assim definida no art. 12, caput, incisos I a IV, do DL 1.598/77, com redação dada pela Lei 12.973/14.
A pretensão de excluir as taxas devidas à administradora do cartão da base de cálculo da receita, na prática, acabaria por abater da receita bruta os custos de produtos vendidos e/ou serviços prestados bem como outras despesas operacionais, fato que implicaria não se estar mais diante do instituto contábil da receita bruta previsto no inciso I do art. 187 da Lei 6.404/76 e apurado na 1ª linha da Demonstração de Resultado Exercício (DRE, também conhecida como Demonstrativo de Lucros e Prejuízos).
Ao se abater esse custo das vendas ou essa despesa operacional estar-se-ia diante do instituto do lucro bruto previsto no inciso II do referido art. 187 ou mesmo do lucro operacional previsto no inciso IV do mesmo art. 187.
Ademais no âmbito do DL 1.598/77 claramente se coloca como receita bruta o produto da venda de bens e o preço da prestação de serviços consoante art. 12, incisos I e II, o que indubitavelmente incluiria esse custo ou despesa operacional da taxa do cartão no fato gerador e base de cálculo do PIS e da COFINS.
Aplicando o princípio da legalidade em matéria tributária previsto no art. 150, I, da CF e no art. 97, incisos I a IV, do CTN, apenas é possível excluir da base de cálculo do tributo os itens expressamente previstos na legislação.
Sendo silente a lei quanto ao abatimento ou exclusão de alguma materialidade normalmente compreendida no fato gerador da exação, não é possível decotá-la do aspecto quantitativo do fato gerador, devendo integrar a obrigação e o crédito tributários.
A contrario sensu, como a permissão de abatimento da taxa devida à administradora do cartão contrariaria o conceito de receita bruta, criar ou estender essa isenção ou benefício fiscal violaria a interpretação literal ou aplicação restritiva da legislação tributária prevista no art. 111 do CTN, além de implicar que o Poder Judiciário atuasse abusivamente como legislador positivo, violando a reserva legal específica prevista no art. 150, § 6º, da CF, em usurpação ao princípio da separação dos poderes vazado no art. 2º da CF.
Outro argumento a favor de a taxa de intercâmbio integrar a receita (e também o faturamento) é a expressa permissão legal de o empresário/contribuinte das exações poder repercutir no preço do produto ou do serviço vendido (que é cobrado do consumidor final) esse custo com administradora do cartão bem como seu reflexo tributário no PIS e na COFINS, conforme art. 1º, caput, da Lei 13.455/17 (“Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.”).
É dizer, seria legítimo que o comerciante praticasse um preço menor para os pagamentos à vista e em dinheiro e outro preço maior para aqueles pagamentos feitos mediante cartão de débito ou crédito, sem que isso violasse a legislação consumerista ou comercial, através do fenômeno econômico da repercussão bastante comum também no direito tributário, que é a transferência dos encargos econômicos e tributários pelo empresário ao consumidor final, que é o contribuinte de fato, não assumindo o contribuinte de direito o ônus do fato gerador do tributo.
Por último, frisamos que a despeito do nome essa “taxa” de intercâmbio (interchange fee) não detém a natureza de tributo, sendo um preço privado livremente pactuado entre o lojista e as instituições financeiras que participam do arranjo de pagamento mediante cartão (adquirente/credenciadora, emissor e rede de pagamento).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: