Caso Robinho. Transferência da execução da pena e aplicação extraterritorial da lei penal brasileira.
Situação Fática: O jogador Robinho, enquanto atuava pelo Milan F.C., foi acusado de, no dia 22 de janeiro de 2013, praticar o crime de estupro contra uma mulher albanesa, de 23 anos, juntamente com cinco amigos, em um estabelecimento situado na cidade de Milão.
A ação penal tramitou por todas as instâncias da justiça italiana, tendo Robinho sido condenado a uma pena de 9 anos de prisão, em sentença transitada em julgado. Atualmente, o jogador vive no Brasil.
Controvérsia: Considerando que a Constituição Federal veda a extradição de brasileiros natos (CF, art. 5º, LI), Robinho poderá cumprir aqui no Brasil a pena imposta pela justiça italiana? Caso não possa, é possível processá-lo e julgá-lo pelo mesmo fato aqui no Brasil?
Decisão: Entendemos que não será cabível nem a transferência da execução da pena (art. 100 da Lei 13.445/17) nem o processamento de Robinho no Brasil com base na aplicação extraterritorial da lei penal brasileira (CP, art. 7º, II, ‘b’).
Fundamentos: Embora não haja dúvidas de que o art. 9º do CP não contempla a possibilidade de homologação de sentença estrangeira para a execução de pena (somente pode ocorrer para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis, ou, então, para sujeitá-lo a medida de segurança), discute-se se seria cabível a transferência de execução da pena, instituto disciplinado nos arts. 100 a 102 da Lei de Migração (Lei 13.445/17).
Para uma primeira corrente, a transferência de execução da pena não seria cabível, in casu, porque o art. 100 da Lei 13.445/17 prevê que o instituto só será admissível “Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória”, ao passo que esse pedido não é possível pelo fato de Robinho ser brasileiro nato (CF, art. 5º, LI).
De outro giro, o tratado de cooperação judiciária em matéria penal existente entre Brasil e Itália prevê, no seu art. 1º, § 3º, que a cooperação entre os dois países em matéria penal “não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações”.
Uma segunda corrente, no entanto, sustenta que a transferência de execução da pena é precisamente uma alternativa para os casos em que a extradição não é possível ou se torna inviável.
O que o art. 100 da Lei 13.445/17 exige é a possibilidade de solicitação de extração executória, e a solicitação, em si, é cabível no caso porque já há condenação transitada em julgado (extradição executória, portanto, e não meramente instrutória), ainda que viesse a ser indeferida pela condição de brasileiro nato de Robinho.
De nossa parte, entendemos que a primeira corrente é a mais correta.
Dizer que a ressalva do art. 100 da Lei 13.445/17 (“Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória”) seria atendida pelo só fato de ser cabível a mera solicitação de extradição executória — ainda que manifestamente contrária à nossa CF — equivaleria, a bem da verdade, a reconhecer que a lei tem palavras inúteis, o que não pode ser aceito. Por outro lado, o art. 1º, § 3º, do tratado de cooperação judiciária em matéria penal existente entre Brasil e Itália somente confirma que transferência de execução da pena, na espécie, não tem amparo jurídico.
Ademais, o fato ocorreu em 2013 e a Lei de Migrações é de 2017, ostentando, no ponto, natureza mista (pois respinga no jus puniendi estatal e na liberdade do cidadão), e não meramente processual, razão pela qual não poderia retroagir para prejudicar o réu (CF, art. 5º, XL).
Resta, ainda, a discussão sobre se Robinho poderia ser processado e julgado aqui no Brasil pelo mesmo fato, com base na aplicação extraterritorial da lei penal brasileira.
Nesse passo, sabe-se que é prevista a aplicação da lei penal brasileira a crime praticado por brasileiro no estrangeiro (CP, art. 7º, II, ‘b’).
Trata-se de hipótese de extraterritorialidade condicionada, cujas condições (CP, art. 7º, § 2º) estão todas preenchidas na espécie:
(a) Robinho está no território nacional;
(b) o fato é crime tanto aqui quanto na Itália;
(c) a lei brasileira não veda a extração em caso de estupro;
(d) Robinho não foi absolvido nem cumpriu pena no estrangeiro;
(e) Robinho não foi perdoado nem está extinta a punibilidade, seja pela lei italiana, seja pela lei brasileira (gize-se que a prescrição está longe de ocorrer).
Conquanto preenchidas todas as condições do CP, é importante frisar que a 2ª Turma do STF tem precedentes (HC 171118 e Ext 1223) no sentido de que deve ser observada a proibição, prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH, art. 8.4) e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP, art. 14.7), a que haja duplo julgamento pelo mesmo fato.
Nessa linha de intelecção, como Robinho já foi julgado e condenado na Itália, não poderia sê-lo aqui novamente.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: