Gravação ambiental por um dos interlocutores. Autorização judicial. Desnecessidade. RE 583937. Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Jurisprudência. Manutenção. HC 512590.
Importante alteração realizada pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) foi a regulamentação da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, por meio da inserção do art. 8º-A na Lei de Intercepção de Comunicações.
Com efeito, além da necessidade de prévia autorização judicial (a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, nunca de ofício), a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos:
a) a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes (subsidiariedade); e
b) houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.
Cumpre notar que o requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. Ademais, se deferida pelo juiz, a captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.
Sobreleva destacar, também, que se aplicam subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática, por determinação expressa do art. 8º-A, § 5º, da Lei 9.296/1996.
Assim, o prazo máximo para o juiz decidir sobre o pedido de captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos será de 24 (vinte e quatro) horas. Ademais, caso deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de captação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização. Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da captação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. Em termos procedimentais, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas; a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.
Também por força do art. 8º-A, § 5º, da Lei 9.296/1996, diversos posicionamentos jurisprudenciais acerca da interceptação de comunicações telefônicas deverão ser aplicados à captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. Nesse sentido, não será necessária a transcrição integral dos diálogos captados, sendo suficiente que o acesso ao material seja franqueado às partes. Do mesmo modo, será prescindível a realização de perícia de voz para atestar a autenticidade dos diálogos obtidos por meio da captação ambiental.
Como forma de reprimir quem deixa de observar as exigências encartadas no art. 8º-A, a Lei 13.964/2019 criou novo tipo penal (art. 10-A da Lei 9.296/1996) a fim de criminalizar a conduta de realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida, cominando-lhe pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, sendo que a pena será aplicada em dobro (causa de aumento de pena) ao funcionário público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial. É de ser enfatizado, contudo, que a lei é expressa em aclarar que não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores.
Nesse compasso, cumpre rememorar que o STF, em sede de repercussão geral, firmara posição no sentido de que “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro” (RE 583.937). Isso, frise-se, independentemente de autorização judicial.
Os demais Tribunais, como não poderia deixar de ser, perfilham idêntica orientação, valendo citar, por todos, este elucidativo precedente do STJ:
“2. Pacificou-se nos Tribunais Superiores o entendimento de que a gravação ambiental feita por um dos interlocutores é valida como prova no processo penal, independentemente de prévia autorização judicial. Precedentes do STJ e do STF.” (HC 422.285/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 11/10/2018)
Conforme sustentamos em obra sobre o tema (TEIXEIRA, Gabriel Brum. Pacote Anticrime: Comentários à Lei 13.964/2019. Brasília: Emagis Cursos Jurídicos, 2020, p. 86), a regulamentação da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, através da inserção do art. 8º-A na Lei de Intercepção de Comunicações, não afasta esse magistério jurisprudencial. De fato, exigir prévia autorização judicial para a gravação de conversa feita por um dos interlocutores significaria, na prática, fulminar esse importante meio de prova (e também de defesa). A própria previsão legal de que não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores reforça essa ilação.
Recentemente, o STJ, por meio de sua Sexta Turma, adotou idêntica orientação.
Salientou-se, de saída, a importância de não confundir três situações distintas:
a) a interceptação, que consiste na captação de comunicação alheia sem conhecimento dos comunicadores, de forma sub-reptícia, e que é a situação que se amolda às raias do art. 5º, XII, parte final, da CRFB e da Lei 9.296/1996;
b) a escuta, que envolve a captação de conversa, por terceiro, com o consentimento de um dos interlocutores;
c) a gravação, a qual diz respeito à captação feita por um dos próprios comunicadores sem que o outro saiba.
No caso em julgamento, depois de firmado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público, o réu colaborador procedeu à gravação ambiental de conversa realizada com outros investigados, em repartição pública, sem o conhecimento dos demais. Apesar de clandestina, foi considerada legítima a prova, na esteira do referido magistério jurisprudencial firmado pelo plenário do Supremo. Rechaçou-se, nesse sentido, o argumento de que tal gravação feita por um dos interlocutores somente seria lícita e utilizada para defesa própria, restrição não albergada pelo magistério jurisprudencial construído na matéria.
Enfatizou-se, outrossim, que a Lei 9.296/1996, mesmo com as inovações trazidas pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não dispôs sobre a necessidade de autorização judicial para a gravação de diálogo por um dos seus comunicadores, mas, ao contrário, inseriu dispositivo legal (art. 10-A, § 1º) para reforçar que não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores. Desse modo, a reserva de jurisdição é aplicável apenas aos casos relacionados à captação por terceiros, sem conhecimento dos comunicadores, quando existe a inviolabilidade da privacidade, protegida constitucionalmente (CRFB, art. 5º, XII).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
Gize-se que a vetusta Lei 9.034/1995 — que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, revogada pela Lei 12.850/2013 — já previra, no inciso IV do seu art. 2º, “a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial”. De modo semelhante, também a Lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas) permitiu a “captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos” (art. 3º, II). Sobre a medida em liça, vale relembrar importante decisão do plenário do STF: “Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos. Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. (...) De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública.” Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)
Repise-se, nesse sentido, que, afora o art. 8º-A somente prever a autorização judicial “a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público”, o art. 3º-A, também inserido pela mesma Lei 13.964/2019, veda expressamente “a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. A propósito, é interessante notar que o art. 3º, caput, da Lei 9.296/1996 contempla, de forma expressa, a possibilidade de que a interceptação das comunicações telefônicas seja determinada de ofício pelo juiz, algo que sempre recebeu severas críticas doutrinárias por não se compactuar com o sistema acusatório albergado na CF/1988 e motivou, inclusive, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade pela Procuradoria-Geral da República (ADI 3.450), ainda pendente de julgamento.
A mesma exigência (subsidiariedade) existe em relação à interceptação de comunicações telefônicas (art. 2º, II, da Lei 9.296/1996), apenas com o acréscimo da ressalva “igualmente eficazes”, algo que, aliás, também já era considerado no que tange à interceptação.
Também a interceptação de comunicações telefônicas pressupõe a existência de “indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal” (art. 2º, I, da Lei 9.296/1996).
Eis aqui uma importante diferença na comparação com a interceptação de comunicações telefônicas: enquanto a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos pressupõem que se esteja a investigar crime cuja pena máxima seja superior a 4 (quatro) anos (art. 8º-A, II, da Lei 9.296/1996), basta, para a interceptação de comunicações telefônicas, que a investigação envolva crimes punidos com reclusão (art. 2º, III, do mesmo Diploma).
Quadra recordar, aqui, o fenômeno da serendipidade (encontro fortuito de provas), já placitado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. Assim, se o deferimento da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos atendeu aos requisitos legais (art. 8º-A, I e II, da Lei 9.296/1996), o fato de se ter identificado, com a medida, elementos probatórios relacionados a crimes puníveis com penas máximas inferiores a 4 (quatro) anos não impede a sua utilização (inclusive em relação a tais crimes), ainda que não sejam conexos aos delitos inicialmente investigados (e que ensejaram a medida). Sobre o tema, colhemos, por todos, este didático precedente do STJ que, embora pertinente à interceptação de comunicações telefônicas, espelha lógica em tudo aplicável à captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos: “Descabe falar-se em nulidade das provas, quando obtidas a partir interceptação telefônica, realizada em fase inquisitorial de investigação de crime punido com pena de reclusão, em que se obtém encontro fortuito de provas de outros delitos, punidos com pena de detenção.”(AgRg no REsp 1717551/PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2018, DJe 30/05/2018).
Assim como ocorre com a interceptação de comunicações telefônicas, excepcionalmente o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a captação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo (art. 4º, § 1º, c/c art. 8º-A, § 5º, da Lei 9.296/1996). Mesmo prazo, esclareça-se, da interceptação de comunicações telefônicas (art. 5º da Lei 9.296/1996).
Não há como deixar de aplicar à captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos o mesmo entendimento já sedimentado em relação à interceptação de comunicações telefônicas, no sentido de que “Apesar de o artigo 5º da Lei 9.296/1996 prever o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a dilatação do período. Doutrina. Precedentes.” (STJ, HC 359.809/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 09/05/2017). Na mesma toada: “A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que a interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos, devendo o seu prazo de duração ser avaliado fundamentadamente pelo magistrado, considerando os relatórios apresentados pela polícia.” (STJ, HC 469.676/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/06/2019, DJe 11/06/2019).
Registre-se que, em relação à interceptação de comunicações telefônicas, não se fala expressamente na necessidade de que se trate de “atividade criminal permanente, habitual ou continuada”.
Do mesmo modo, não é necessária a realização de perícia de voz para atestar a autenticidade dos diálogos obtidos por meio da captação ambiental, porquanto “Não há na Lei 9.296/1996 qualquer exigência no sentido de que as gravações dos diálogos interceptados sejam periciadas a fim de que se ateste quem são as pessoas envolvidas. Precedentes.” (STJ, HC 359.809/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 09/05/2017).
Sim, o § 5º do art. 8º-A fala em “legislação específica”, embora tenha sido inserido exatamente na legislação específica para a interceptação telefônica e temática, o que torna sem sentido falar em “legislação específica” quando se está no contexto da própria lei específica (com o perdão da redundância); enfim, só mais uma atecnia do legislador.
Aplicação subsidiária do art. 4º, § 2º, da Lei 9.296/1996.
Aplicação subsidiária do art. 6º, caput, da Lei 9.296/1996.
Aplicação subsidiária do art. 6º, § 2º, da Lei 9.296/1996.
Aplicação subsidiária do art. 8º da Lei 9.296/1996. Aplicação subsidiária do art. 9º da Lei 9.296/1996.
“É pacífico o entendimento nesta Corte no sentido de que é prescindível a transcrição integral do conteúdo da quebra do sigilo das comunicações telefônicas, desde que tenham as partes acesso ao material respectivo.” (STJ, AgRg no REsp 1613927/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 30/09/2016). “Não é necessária a transcrição integral das conversas interceptadas, desde que possibilitado ao investigado o pleno acesso a todas as conversas captadas, assim como disponibilizada a totalidade do material que, direta e indiretamente, àquele se refira, sem prejuízo do poder do magistrado em determinar a transcrição da integralidade ou de partes do áudio.” (STF, Inq 3693/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.4.2014).
“Não há na Lei 9.296/1996 qualquer exigência no sentido de que as gravações dos diálogos interceptados sejam periciadas a fim de que se ateste quem são as pessoas envolvidas. Precedentes.” (STJ, HC 359.809/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2017, DJe 09/05/2017).
Como meio de defesa, aliás, é cediço que a doutrina e a jurisprudência são uníssonas em admitir a utilização de provas ilícitas.
Conquanto, numa interpretação meramente literal, não se possa afirmar que o fato de não ser crime seria o mesmo que dizer que a prova seria lícita.