Homicídio doloso. Dosimetria da pena. Vítima maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos. Exasperação da pena-base. Cabimento.
No homicídio doloso, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. É o que prevê a segunda parte do § 4º do art. 121 do CP. Trata-se de causa de aumento de pena, aplicável, pois, na terceira fase da dosimetria.
E se a vítima tiver entre 14 (quatorze) e 18 (dezoito) anos, há algum reflexo na dosimetria da pena?
Não há previsão legal de agravante (segunda fase da dosimetria) ou causa de aumento de pena (terceira fase). Mas...e como circunstância judicial negativa (CP, art. 59), pode ensejar a majoração da reprimenda?
A Quinta e a Sexta Turmas do STJ tinham entendimentos conflitantes na matéria.
Para a Quinta Turma, o fato de a vítima ser adolescente autoriza a exasperação da pena-base do homicídio doloso com base nas consequências mais gravosas do crime (CP, art. 59), que desbordam daquelas já ínsitas ao tipo penal:
(...) - O entendimento assente neste Tribunal é de que o fato de a vítima ser jovem confere ao delito praticado maior grau de reprovabilidade, o que legitima a imposição de reprimenda mais severa ao acusado. Trata-se, portanto, de fundamentação idônea, pois baseada em elemento concreto dos autos. Precedentes.
- Entretanto, tal fundamento não pode ser utilizado para valorar negativamente diferentes vetores, sob pena de se incorrer no vedado bis in idem. Precedentes.
- Na hipótese, o fato de a vítima ser adolescente foi a única fundamentação concreta utilizada para valorar negativamente tanto a culpabilidade do agente, quanto as consequências do delito, tornando-se, de rigor, o afastamento de uma delas.
- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC 334.899/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 13/03/2020)
Já a Sexta Turma vinha se posicionando contrariamente, entendendo que o fato de a vítima ter mais de 14 anos e menos de 18 anos não legitimaria o aumento da pena-base:
(...) 2. Entende esta Corte que, em regra, a idade da vítima (17 anos) não autoriza o desvalor atribuído às consequências do delito de homicídio consumado, por ser inerente ao delito. Precedentes.
3. Agravo regimental parcialmente provido para afastar a negativação das consequências do delito e reduzir a sanção para 13 anos e 3 meses de reclusão.
(AgRg no REsp 1695315/PA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2018,
Essa divergência, no entanto, foi recentemente resolvida pela Terceira Seção do STJ.
Por ampla maioria (8 votos contra 1), prevaleceu a orientação esgrimida pela Quinta Turma, na linha de que a “tenra idade” da vítima (menor de 18 anos) deve repercutir na dosimetria da sanção penal.
Ponderou-se o fato de que o homicídio perpetrado conta a vítima jovem ceifa uma vida repleta de possibilidades e perspectivas, diversas daquelas identificadas na vida adulta. Por outro lado, a “tenra idade” da vítima causa intenso sofrimento em pais e demais familiares enlutados por um crime que subverte a ordem natural da vida. Ademais, entendeu-se que o aumento crescente no número de homicídios perpetrados contra adolescentes no Brasil reclama uma resposta estatal adequada.
Desse modo, concluiu-se que a “tenra idade” da vítima (menor de 18 anos de idade) é elemento concreto que transborda aqueles inerentes ao crime de homicídio, justificando, destarte, a majoração da pena-base (primeira fase da dosimetria), mediante valoração negativa das consequências do crime, ressalvada a hipótese em que aplicada a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º (segunda parte), do Código Penal, sob pena de bis in idem (caráter residual das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, frente a agravantes/atenuantes ou majorantes/minorantes).
Para finalizar, segue a ementa desse importante precedente:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO PERPETRADO CONTRA VÍTIMA DE TENRA IDADE (15 ANOS). VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS CRIMINAIS DESTA CORTE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. DECISÃO MANTIDA.
1. Há divergência entre a Quinta e a Sexta Turmas na questão veiculada no recurso especial, qual seja, se a tenra idade da vítima constituiu fundamento idôneo para agravar a pena-base, especificamente no que se refere ao crime de homicídio, mediante valoração negativa das consequências do crime.
2. Deve prevalecer a orientação da Quinta Turma, no sentido da idoneidade da fundamentação, pois a tenra idade da vítima (menor de 18 anos) é elemento concreto e transborda aqueles ínsitos ao crime de homicídio, sendo apto, pois, a justificar o agravamento da pena-base, mediante valoração negativa das consequências do crime, ressalvada, para evitar bis in idem, a hipótese em que aplicada a majorante prevista no art. 121, § 4º (parte final), do Código Penal.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1851435/PA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2020, DJe 21/09/2020)
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
Veja que os julgados falam em “adolescente”, “jovem”, “tenra idade”. A discussão, entretanto, diz respeito, mais exatamente, às vítimas maiores de 14 (quatorze) anos e menores de 18 (dezoito) anos, sobretudo ante a causa de aumento de pena já consagrada no art. 121, § 4º, segunda parte, do CP.