Pena privativa de liberdade. Substituição. Penas restritivas de direito. CP, art. 44, § 3º. Reincidência em crimes idênticos, e não apenas de mesma espécie. STJ, AREsp 1.716.664.
Para bem nos situarmos na discussão que ora comentaremos, vale recordar o que dispõe o art. 44 do CP, particularmente no que tange aos requisitos necessários à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
(...)
§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
Como se percebe, o fato de o réu ser reincidente em crime doloso não representa impedimento absoluto à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos. Se a medida for socialmente recomendável, a substituição será cabível ainda que o réu seja reincidente em crime doloso. Há, porém, um ressalva: a reincidência em crime doloso não pode ter se operado em virtude da prática “do mesmo crime”. Ou seja, nessa hipótese, existirá óbice intransponível a essa substituição.
O STJ vinha entendendo que reincidência “em virtude da prática do mesmo crime” diria respeito a crimes “de mesma espécie”. E, como crimes “de mesma espécie”, considerava aqueles que violavam o mesmo bem jurídico.
Recentemente, a Terceira Seção resolveu rever a questão. E alterou a sua jurisprudência na matéria.
Entendeu-se que “mesmo crime” não pode ser interpretado como crimes que envolvam o mesmo bem jurídico (crimes “de mesma espécie”, como diziam os julgados). “Mesmo crime” significa crime idêntico, ou seja, mesmo tipo penal. Ampliar a restrição para outros crimes (outros tipos penais) representaria inegável analogia in malam partem.
Não se deixou de anotar que há certa falta de lógica em impedir de forma absoluta, por exemplo, que haja a substituição da pena privativa de liberdade diante de réu reincidente na prática do crime de furto simples (“mesmo crime”) e considerar cabível (se a medida for socialmente recomendável) a substituição em caso de réu reincidente que praticara um crime de furto qualificado após a prática de anterior crime de furto simples: uma situação de menor gravidade teria óbice intransponível à substituição (reincidência forjada com dois crimes de furtos simples), enquanto a situação mais grave (furto qualificado após furto simples) a admitiria, em tese (se a medida for socialmente recomendável, à luz das circunstâncias do caso concreto). No entanto, sublinhou-se que eventual atecnia do legislador deve ser por este corrigida, e não mediante analogia in malam partem, a qual nunca deve ser admitida nos domínios jurídico-penais.
Para bem fixarmos, veja a síntese do novo entendimento da Terceira Seção do STJ na matéria: “A reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal somente se aplica quando forem idênticos, e não apenas de mesma espécie, os crimes praticados.”
De resto, esclarecemos que, no caso concreto julgado pelo STJ, tinha-se réu reincidente em crime doloso, sendo que a condenação anterior era pela prática do crime de roubo e a nova condenação (em relação à qual se buscava a substituição) se dera pela prática do crime de furto. Frisou-se que, como não se cuidava de reincidência no “mesmo crime” (os tipos penais, como se vê, eram diversos), não havia empecilho intransponível à substituição. Entretanto, considerou-se que a medida não seria socialmente recomendável, haja vista o fato de a anterior condenação ter se operado em crime cometido com violência ou grave ameaça a pessoa.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: