Questão controvertida não apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário. Direito de revisão. Decadência.
A Lei 8.213/1991, em sua redação original, não trazia a previsão de decadência para que o segurado ou dependente buscasse a revisão do ato de concessão do seu benefício. Somente com a MP 1.523/1997, depois convolada na Lei 9.528/1997, é que se assistiu ao nascimento de um prazo decadencial de 10 anos para essa hipótese (prazo que chegou a ser diminuído para 5 anos, pela Lei 9.711/1998, mas que tornou ao patamar de 10 anos após a alteração imposta pela Lei 10.839/2004).
Discutiu-se, de logo, a constitucionalidade da instituição do prazo decadencial para a revisão do ato de concessão do benefício. Aqui, apesar de vozes contrárias na doutrina, a jurisprudência, de forma uníssona, reconheceu que não há inconstitucionalidade na criação de tal prazo decadencial, basicamente a partir de dois principais argumentos: (a) a decadência tem sustentação no princípio da segurança jurídica, pilar de nosso Estado Democrático de Direito; (b) o intervalo de tempo eleito pelo legislador é bastante razoável (10 anos) e prestigia o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.
Questionou-se, também, a aplicabilidade desse prazo decadencial a benefícios concedidos anteriormente ao advento da MP 1.523/1997 (convertida na Lei 9.528/1997). Nesse aspecto, era robusto o entendimento jurisprudencial (inclusive do STJ) no sentido da impossibilidade de aplicação do novo prazo decadencial a benefícios concedidos antes da vigência da MP 1.523/1997, ao argumento de que envolveria a retroatividade da nova lei. Não obstante, o STF pacificou o entendimento de que, afora ser constitucional a instituição de tal prazo decadencial para a revisão do ato de concessão do benefício previdenciário, inexiste um pretenso direito adquirido à inexistência desse prazo decadencial, razão pela qual pode ser aplicado inclusive a benefícios concedidos antes da vigência da MP 1.523/1997, hipótese em que a sua contagem, contudo, somente iniciará depois dessa vigência, mais precisamente em 1º de agosto de 1997 (segundo definiu o STF).
“Não há direito adquirido à inexistência de prazo decadencial para fins de revisão de benefício previdenciário. Ademais, aplica-se o lapso decadencial de dez anos para o pleito revisional a contar da vigência da Medida Provisória 1.523/97 aos benefícios originariamente concedidos antes dela. [...] Frisou-se que, no tocante ao direito à obtenção de benefício previdenciário, não haveria prazo algum. Isso significaria que esse direito fundamental poderia ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribuísse consequência negativa à inércia do beneficiário. Por sua vez, a decadência instituída pela medida provisória em análise atingiria apenas a pretensão de rever benefício previdenciário. [...] Com base nessas premissas, afastou-se eventual inconstitucionalidade na criação, por lei, de prazo decadencial razoável para o questionamento de benefícios já reconhecidos.” RE 626489/SE, rel. Min. Roberto Barroso, 16/10/2013.
“1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28/06/1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.” (RE 626489, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-184 DIVULG 22/09/2014 PUBLIC 23/09/2014).
“Incide o prazo de decadência do art. 103 da Lei n. 8.213/1991, instituído pela MP n. 1.523-9/1997, convertida na Lei n. 9.528/1997, no direito de revisão dos benefícios concedidos ou indeferidos anteriormente a esse preceito normativo, com o termo a quo a contar da vigência da MP.” REsp 1.309.529-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/11/2012. (Primeira Seção).
A par disso, discute-se se esse prazo decadencial, antes do advento da Lei 13.846/2019, é aplicável também em casos de indeferimento (ou cessação) de benefícios, ou apenas para a revisão do ato de concessão. Veja-se a redação do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, na redação anterior à Lei 13.846/19:
Lei 8.213/91
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
A TNU chegou a sumular o entendimento de que a decadência seria aplicável também para os casos de indeferimento de benefícios (Súmula 64); no entanto, cancelou esse verbete e editou outro (Súmula 81) em sentido diametralmente oposto: a par de ditar que a decadência não incide em casos de indeferimento e cessação de benefícios, foi além e sedimentou orientação no sentido de que tampouco seria aplicável a questões não apreciadas pela Administração no ato de concessão.
“Não incide o prazo decadencial previsto no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de benefícios, bem como em relação às questões não apreciadas pela Administração no ato da concessão. ” (Súm. 81 da TNU).
Perceba-se, no entanto, que, após o advento da Lei 13.846/2019 (mais precisamente, da MP 871/2019, que nela se converteu), é indiscutível que essa decadência decenal se mostra aplicável não apenas para a revisão do ato de concessão, mas também para a revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício.
Confira-se a nova redação legal:
Lei 8.213/91
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.
Mas um ponto extremamente relevante ainda permaneceu em aberto, mesmo com o advento da Lei 13.846/2019: as questões não apreciadas pela Administração no ato de concessão também estão circunscritos à decadência decenal? Ou, ao revés, somente os pontos efetivamente analisados e decididos estariam aptos a decair?
Como vimos, a TNU, por meio do verbete n. 81 de sua Súmula, firmou compreensão no sentido da inaplicabilidade da decadência em casos tais. O STJ, não obstante, confrontou essa linha de orientação e, em sede de recurso especial repetitivo (REsp 1644191, Tema 975), assentou tese em sentido diametralmente oposto:
"Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário." (REsp 1644191, Tema 975)
Para chegar a esse entendimento, o STJ partiu da distinção entre decadência e prescrição.
Ambos os institutos, como sabemos, estão atrelados ao fenômeno da passagem do tempo e à necessidade de estabilidade das relações jurídicas, como decorrência do princípio da segurança jurídica.
A prescrição, entrementes, associa-se a direitos subjetivos stricto sensu, também chamados direitos a uma prestação. Neles, a satisfação do direito depende de uma providência do sujeito passivo da relação jurídica. Ex.: o direito de receber um determinado pagamento é um típico direito subjetivo stricto sensu: sua satisfação depende da prestação a ser fornecida pelo sujeito passivo da relação jurídica.
Já a decadência, de outro giro, está relacionada a direitos potestativos, os quais são marcados por um estado de sujeição da parte adversa da relação jurídica: se o seu titular quiser exercê-lo, o sujeito passivo não tem como evita-lo. Ex.: o direito de ajuizar ação rescisória é um direito potestativo (a outra parte não pode impedir que o interessado ajuíze a ação rescisória); também é de índole potestativa o direito de a Administração anular os atos administrativos que reputa ilegais (Súmulas 346 e 473 do STJ; art. 53 da Lei 9.784/1999).
E o direito do segurado em postular a revisão do ato de concessão de seu benefício? É um direito subjetivo stricto sensu ou um direito potestativo? Indubitavelmente, trata-se de um direito de cunho potestativo. Se o segurado quiser exercê-lo, o INSS não pode impedi-lo (não se confunda o direito de revisar o ato de concessão com o direito de ter razão na pretensão revisional, algo completamente distinto).
Logo, não se tem dúvida de que o art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 consagra prazo de natureza decadencial, posto associado a um direito potestativo. Mas...o que isso tem a ver com a discussão sobre se esse lapso inercial incide, ou não, em hipóteses nas quais a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário?
É que os prazos prescricionais pressupõe a resistência da parte adversa em cumprir com a prestação (objeto do direito subjetivo stricto sensu). Enquanto não configurada essa resistência da parte adversa em adimplir com a sua prestação, não tem início a contagem da prescrição. Eis, aí, o decantado princípio da actio nata.
Prazos decadenciais, noutro vértice, não tem qualquer relação com a resistência da parte adversa, simplesmente porque são relacionados a direitos potestativos, cuja satisfação depende somente de seu titular (estado de sujeição do polo passivo da relação). E, enquadrando-se o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário como autêntico direito potestativo, submetido a um prazo decadencial (art. 103, caput, da Lei 8.213/1991), é irrelevante o fato de ter havido resistência do INSS acerca de uma determinada questão controvertida para que sobre ela incida a decadência.
Esse foi, deveras, o principal argumento suscitado pelo STJ para rechaçar a tese segundo a qual a aplicabilidade da decadência do art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 dependeria da circunstância de a questão controvertida ter sido expressamente analisada e decidida no bojo do processo administrativo previdenciário. Acrescentamos, a isso, a constatação de que a “brecha” deixada pela Súmula 81 do TNU, no ponto, permitiria, por exemplo, que daqui a 50 anos se discutisse uma questão não analisada no bojo do processo administrativo que resultou na concessão de uma aposentadoria, o que, segundo cremos, não se compraz com o princípio da segurança jurídica e a desejada estabilidade das relações.
Vamos finalizar com um caso concreto para melhor ilustrar as lições que queremos transmitir aos nossos amigos concurseiros(as) por meio destes comentários:
Em 1º/04/2009, João Segurado foi até uma agência do INSS e requereu o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. A Autarquia Previdenciária reconheceu o direito ao benefício, por ter verificado o preenchimento da carência e computado 35 anos de tempo de contribuição. A primeira prestação foi-lhe paga, então, em 15/05/2009.
Por absoluta falta de orientação técnico-jurídica, João deixou de alegar no processo administrativo que parte desse período era de natureza especial (atividades nocivas à sua saúde ou integridade física). Tampouco providenciou a juntada de documentação própria para o reconhecimento da especialidade do labor. Logo, o INSS não se pronunciou a respeito no momento da análise do direito à aposentadoria por tempo de contribuição.
Em 1º/04/2020, João foi contactado por um advogado previdenciarista que identificou que parte do tempo de serviço prestado era de natureza especial, por ter sido submetido a índices de ruído superiores aos admitidos pela legislação. Caso tivesse sido reconhecida a especialidade desse labor, o valor da renda mensal inicial (RMI) do benefício recebido pelo segurado seria mais elevado, haja vista a incidência do fator previdenciário (que é menos desfavorável ao segurado na medida em que maior seja o seu tempo de contribuição e a sua idade).
Nesse contexto, indaga-se: João pode discutir o ato de concessão do seu benefício, a fim de majorar a sua renda mensal?
A resposta é negativa. Em 1º/06/2019 já havia se operado a decadência (art. 103, caput c/c inciso I, da Lei 8.213/1991).
Frise-se, no mais, que o STJ já havia pacificado o entendimento no sentido de que o prazo decadencial em foco incide nos casos em que se pretende o reconhecimento do direito adquirido a benefício previdenciário mais vantajoso do que aquele que restou concedido ao segurado ou dependente, por considerar que tal hipótese equivale a ato de revisão do ato de concessão do benefício já outorgado.
Incide o prazo decadencial previsto no caput do artigo 103 da Lei n. 8.213/1991 para reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso. Cinge-se a controvérsia a saber se o prazo decadencial do caput do artigo 103 da Lei n. 8.213/1991 é aplicável aos casos de requerimento de um benefício previdenciário mais vantajoso, cujo direito fora adquirido em data anterior à implementação do benefício previdenciário ora em manutenção. O Supremo Tribunal Federal – STF ao analisar o tema da decadência do direito de o segurado revisar seu benefício, assentou que o direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não há de ser afetado pelo decurso do tempo, apenas no tocante ao crédito dele decorrente. O prazo decadencial incide, portanto, sobre o conteúdo do ato administrativo: período básico de cálculo; salários de contribuição; salário de benefício; a incidência ou não do fator previdenciário sobre o cálculo; e a renda mensal inicial desse cálculo. Esses são os aspectos econômicos do cálculo do benefício. O STF protege o núcleo do direito fundamental. Permite possa o direito fundamental ao benefício previdenciário ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do beneficiário. A decadência instituída pela MP n. 1.523-9/1997 atinge apenas a pretensão de rever benefício previdenciário, em outras palavras, a pretensão de discutir os componentes que formaram a graduação econômica do benefício já concedido. Todavia, STF estipulou a decadência prevista no caput do artigo 103, para reconhecimento de direito adquirido ao melhor benefício. A decadência justifica-se como respeito ao erário, ao dinheiro público, como ele é gasto, evitando descompasso nas contas da previdência social. Se há, realmente, um direito ao melhor benefício de aposentadoria, esse direito deve ser exercido em dez anos, porquanto o reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício equipara-se à revisão, quando já em manutenção na vida do trabalhador segurado uma aposentadoria. O segurado tem, portanto, dez anos, para aferir a viabilidade de alteração do seu ato de concessão de aposentadoria, após o qual caducará o direito adquirido ao melhor benefício. REsp 1.612.818-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, por maioria, julgado em 13/02/2019, DJe 13/03/2019 (Tema 966).
[...] PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/2007. OBTENÇÃO DO MELHOR BENEFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. INCIDÊNCIA. [...] (AI 858865 AgR-ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 20/06/2016 PUBLIC 21/06/2016)
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
Súmula Vinculante 48.
RE 1090591. RE 626489.
Idem.
REsp 1.612.818.
REsp 1644191, Tema 975.