REsp 1.976.743. Construção de imóvel. Débito originado de contrato de empreitada global. Bem de família. Penhora. Possibilidade.
Situação Fática: João contratou Pedro para a construção de uma casa para sua futura moradia.
O preço a ser pago a Pedro abarcaria tanto seu trabalho (mão-de-obra) como os materiais empregados na consecução da obra (empreitada global).
Após a entrega do prédio edificado, João fixou residência na casa, que é o único imóvel de sua propriedade.
Contudo, João não pagou o preço avençado, levando Pedro a ajuizar uma ação de execução contra João, na qual requereu a penhora do imóvel objeto da empreitada.
Controvérsia: O crédito derivado do contrato de empreitada se enquadra na exceção do art. 3º, II, da Lei 8.009/90, permitindo a penhora do bem de família legal? A referida exceção do inciso II do art. 3º estaria limitada apenas aos contratos de “financiamento” junto a instituições financeiras, conforme literalidade do enunciado normativo, ou abarcaria também contratos não-bancários?
Decisão: Para o STJ, o crédito derivado do contrato de empreitada celebrado com vistas à construção do imóvel que serve como residência para o devedor e/ou sua família enquadra-se na exceção legal que permite a penhora do bem de família. A interpretação restritiva do termo “financiamento” do art. 3º, II, da Lei 8.009/90 contrariaria a finalidade e o objetivo da norma, daí que é possível também a penhora na cobrança de crédito oriundos de compra e venda, consórcio e empreitada.
Fundamentos: O STJ entende que as hipóteses de impenhorabilidade não são absolutas, mas relativas, devendo ser sopesadas de acordo com as particularidades do caso concreto.
Nesse sentido, aponta-se, inclusive, que a redação do caput do art. 833 do CPC/2015 omitiu o termo “absolutamente” que constava do revogado CPC/1973 ao disciplinar a impenhorabilidade.
Daí porque a palavra “financiamento” constante do art. 3º, II, da Lei 8.009/90 deve abarcar não apenas o mútuo feneratício pactuado junto com instituições financeiras, mas também contratos com instituição não-bancárias que permitam o pagamento diferido no tempo ou parcelado, é dizer, que não seja à vista, a exemplo da compra e venda, consórcio e empreitada.
Destacamos este julgado bastante esclarecedor do STJ: “Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista.” (REsp 1221372/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 21/10/2019)”.
Argumenta-se que o instituto do bem de família não poderia cair em descrédito junto à sociedade, tendo sua finalidade e objetivo desvirtuados:
“Da exegese sistemática da Lei nº 8.009/90 desponta nítida preocupação do legislador de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, propiciando o enriquecimento ilícito do proprietário do imóvel em detrimento de terceiros de boa-fé.” (REsp 1440786/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 27/06/2014)”.
No mais, embora não referido no julgado, cremos que o § 1º do art. 833 do CPC soluciona bem a questão, desde que também incluamos as dívidas relacionadas ao melhoramento do próprio bem, já que o crédito cobrado se relacionava à acessão por construção de edificação no imóvel:
“Art. 833. São impenhoráveis: (...) § 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.”.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: