Servidor público. Pagamento indevido. Erro administrativo (operacional ou de cálculo). Devolução. Cabimento, como regra. STJ, Primeira Seção, REsp 1.769.306 (Tema 1.009/STJ).
Quando a Administração Pública, sponte propria, efetua um pagamento indevido a um servidor público, este está obrigado a efetuar o reembolso?
A resposta é: depende. Temos que analisar o que levou a Administração a realizar o pagamento indevido ao servidor, ou seja, a causa desse pagamento indevido.
O STJ, ao julgar o Tema 531, já havia definido a seguinte tese:
“Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.”
Sobre a matéria, não custa lembrar o entendimento da própria AGU, cristalizado na Súmula 34:
"Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública".
Noutras palavras, descabe a devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei. Vamos exemplificar:
Exemplo. Imagine que a Administração vinha pagando a certos servidores uma determinada gratificação, por entender que a lei que a instituiu os alcançava. No entanto, verificou-se que, em realidade, tais servidores não fariam jus a esse adicional, pois, melhor interpretada a legislação, não teria o alcance que se pensava ter. A Administração tem razão nessa nova interpretação: com efeito, a exegese anterior não era a correta. Nesse caso, embora a Administração não esteja jungida a manter a equivocada interpretação de outrora, não pode exigir dos servidores a devolução dos valores referentes ao período anterior à guinada de exegese da lei (ainda que a nova interpretação seja a correta, torne-se a frisar).
E quando o pagamento indevido decorre de um erro administrativo (erro operacional ou de cálculo), imputável à própria Administração? Também é incabível a devolução?
Para entendermos melhor a situação, trazemos outros dois exemplos:
Exemplo 1. A Administração efetuou o pagamento em duplicidade do terço constitucional a um servidor que entrou em gozo de férias. Tem-se, aí, um erro operacional, e não, pois, um erro de interpretação da lei;
Exemplo 2. A Administração, erroneamente, calculou o valor do adicional de férias de um servidor em R$ 1.500,00, porém o valor correto seria de R$ 1.000,00 (devido, v.g., a um erro na base de cálculo adotada). Houve, portanto, um erro de cálculo, não se cuidando de um erro de interpretação da lei.
Em recente julgado, o STJ definiu a questão relacionada à devolução de valores pagos a maior, pela Administração, por erro operacional ou de cálculo (chamados de “erro administrativo”, em contraposição ao erro na interpretação da lei).
Para o Tribunal da Cidadania, os pagamentos indevidos a servidores públicos — decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), e não quando fruto de interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração — estão sujeitos à devolução. Essa é a regra geral. Somente não será exigível a devolução quando o servidor, diante do caso concreto, comprovar a sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. Com efeito, impossibilitar a devolução dos valores recebidos indevidamente por erro perceptível da Administração Pública, sem a análise, no caso concreto, da boa-fé objetiva, permitiria o enriquecimento sem causa por parte do servidor (CC, art. 884).
De resto, registre-se que as reposições e indenizações ao erário, devidas por servidor ativo, aposentado ou pensionista, são disciplinadas, em âmbito federal, pelo art. 46 da Lei 8.112/1990, o qual, embora constitucionalmente válido, deve ser lido à luz da jurisprudência do STJ acima esquadrinhada:
Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado.
§ 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão.
§ 2o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela.
§ 3o Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: