STJ, AgInt no REsp 1.924.099. Execução fiscal. Oferecimento de seguro-garantia. Prazo de validade determinado. Impossibilidade. Garantia inidônea.
Situação Fática: Em certa execução fiscal, o exequente recusou a oferta de garantia do juízo dada pelo executado baseada em contrato de seguro-garantia judicial com prazo de vigência determinado.
Controvérsia: Não dispondo o CPC nos arts. 835, I, § 2º, e 848, parágrafo único, que o contrato de seguro garantia judicial tenha que ser por prazo indeterminado, poderia o exequente recusar a oferta desse bem à penhora?
Decisão: Para o STJ, como regra geral, sim. A apólice de seguro-garantia com prazo de vigência determinado é inidônea para fins de garantia da execução fiscal.
Fundamentos: O seguro-garantia é espécie do gênero ‘garantia fidejussória’, sendo uma forma moderna e econômica de garantir contratos e execuções.
O direito positivo já o previa como garantia pelo cumprimento de obrigações de direito público e privado, como demonstram os arts. 37, III, 41, da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) e arts. 6º, VI, 56, § 1º, II, da Lei 8.666/93 (revogada Lei de Licitações).
A nova Lei de Licitações continua prevendo o instituto nos arts. 6º, LIV, 96, § 1º, II, e 97 da Lei 14.133/21.
Trata-se de uma alternativa mais barata e econômica frente à tradicional fiança bancária.
A fiança, sob o ponto de vista bancário, é uma operação de crédito que onera o afiançado com juros e que atinge o limite operacional dos bancos, impactando no índice de Basiléia utilizado como parâmetro no controle dos riscos do sistema financeiro nacional e global.
Diversamente, o seguro-garantia é um contrato de seguro, que não se confunde com um mútuo.
Por outro lado, o seguro-garantia traz para o credor a solvabilidade presumida da instituição financeira seguradora, que se obriga em nome do devedor a pagar de pronto a dívida quando instada a fazê-lo por quem de direito.
Ao mesmo tempo, o seguro-garantia libera economicamente o devedor do custo de oportunidade de imobilizar dinheiro ou outros bens ao cumprimento da obrigação, que podem continuar a ser empregados em aplicações financeiras ou no processo produtivo.
Em outras palavras, a não vinculação direta de dinheiro depositado/penhorado numa conta vinculada ao juízo e a não assunção da condição de depositário de bens penhorados termina por deixar os bens livres para serem empregados em atividades produtivas, mais rentáveis e aptas a gerar maior ganho econômico ao devedor.
Isso, em última análise, aumentaria a capacidade financeira e o patrimônio do executado, garantia última da execução segundo o princípio da responsabilidade patrimonial do art. 789 do CPC e do art. 391 do CC.
A previsão legal do seguro-garantia judicial, como uma modalidade de garantia do juízo em substituição à penhora nas execuções cíveis em geral, apenas foi introduzida no § 2º do art. 656 do CPC/73 pela Lei 11.382/06.
O dispositivo legal exigia que o valor da apólice não fosse inferior ao valor do débito constante da inicial e, além diss, fosse ainda acrescido de 30%.
A redação original da Lei 6.830/80, contudo, não previu expressamente a utilização do instituto do seguro-garantia para o procedimento da execução fiscal, mas apenas o depósito em dinheiro e a fiança bancária.
É dizer, o seguro-garantia judicial não estava elencado no rol de bens penhoráveis do art. 9º tampouco constava como modalidade de substituição da penhora do art. 15, I. Malgrado a previsão infralegal de utilização do seguro-garantia para garantia da dívida ativa federal e do FGTS (Portarias PGFN 1.153/09 e 164/14), a jurisprudência do STJ ainda entendia que o seguro garantia judicial não serviria para fins de garantia da execução fiscal das fazendas estadual e municipal, por ausência de norma legal específica na LEF.
Como exemplo: AgRg no REsp 1434142/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 20/03/2014.
Contudo, a Lei 13.043/14, conversão da MP 651/14, equiparou as apólices de seguro-garantia às tradicionais fianças bancárias no procedimento de cobrança da dívida ativa, surgindo uma nova modalidade válida de garantia do juízo no procedimento da LEF, a exemplo do que já era previsto no CPC/73.
A Lei 13.043/14, ao conferir nova redação aos arts. 7º, II, 9º, II, §§ 2º e 3º, 15, I, 16, II, da Lei 6.830/80, incluiu o seguro-garantia no rol de bens penhoráveis admitidos pela LEF, podendo ser ofertado e admitido à penhora; estendeu ao seguro garantia os mesmos efeitos da penhora, a exemplo do que já era previsto para o depósito judicial e a fiança bancaria, possibilitando a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa (CPEN) segundo art. 206 do CTN; previu a apresentação da apólice nos autos como o marco inicial da fluência do prazo para embargos à execução fiscal.
Embora a LEF não faça referência expressa à necessidade de a apólice abranger também o acréscimo de 30% sobre o valor do débito indicado na exordial, a referida majoração será aplicável sempre que o seguro seja pactuado em valor certo, exatamente para fazer frente aos consectários e acréscimos legais (correção monetária, juros, multa e encargos), como aliás preveem os arts. 835, I, § 2º, e 848, parágrafo único, do CPC.
Eis precedente do STJ quanto à aplicação do acréscimo de 30% ao valor da execução fiscal: “É cabível a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário a partir da apresentação da fiança bancária ou do seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.” (REsp 1.381.254-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019).
Assim, a jurisprudência atual do STJ reconhece que é direito subjetivo do executado se valer do seguro garantia judicial para garantir o juízo ou mesmo substituir a penhora anteriormente realizada.
O Exequente apenas poderia recusar a indicação à ou a substituição da penhora por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida: “Na fase de cumprimento de sentença, é incabível a rejeição do seguro garantia judicial pelo exequente, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida.” (REsp 1.691.748-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017).
Quando o seguro-garantia judicial é ofertado com prazo de vigência determinado, ocorre exatamente uma hipótese de defeito formal, que permite ao exequente recusar a garantia, como entendeu o STJ no julgado ora em comento.
Para o STJ, o prazo de vigência da apólice deve ser indeterminado, a fim de que, independente da data em que se findar o processo, o seguradora possa pagar ao exequente a qualquer momento, caso o ganho da causa seja em desfavor do executado.
Cabe a observação de que a posição do STJ no sentido de que o seguro-garantia judicial, para ser idôneo, tenha que ser integral, acrescido de 30% e por prazo de vigência indeterminado, realmente se aplica para as execuções em geral, aí incluídas as execuções fiscais municipais e estaduais, mas não se aplica para a execução fiscal federal.
Isto porque, no plano federal, existe legislação específica prevista na Portaria 164/2014 da PGFN que regula o seguro-garantia judicial de modo mais favorável ao executado em relação ao previsto no CPC e na jurisprudência do STJ.
Daí, com base no princípio da menor onerosidade ao executado previsto no art. 805 do CPC, essas disposições específicas e menos gravosas devem ser aplicáveis na execução fiscal da dívida ativa federal.
Como exemplos, o art. 3º, § 2º, da Portaria 164/2014 da PGFN dispensa o acréscimo de 30% ao valor garantido previsto no CPC, bem como o art. 3º, inciso VI, não exige vigência indeterminada ao seguro garantia, mas de no mínimo 2 anos.
É bem verdade que o art. 10, I, ‘b’ da Portaria 164/2014 também prevê que, nessas hipóteses de vigência por prazo determinado, a não renovação em até 60 dias do fim da apólice (ou apresentação de outra garantia suficiente e idônea) implicará no sinistro e na obrigação de pagamento da indenização por parte da seguradora.
Também o art. 7º admite a aceitação de seguro-garantia em valor inferior ao montante devido.
Assim, na falta de previsão na específica mais favorável ao executado na legislação do ente exequente (como já acontece no plano federal para a execução fiscal), aplica-se a jurisprudência do STJ que prevê que o seguro garantia judicial, para ser idôneo, deve ser obrigatoriamente em valor 30% superior ao da execução e a vigência da apólice por prazo indeterminado.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: