STJ, APn 989. Crime de lavagem de capitais e corrupção passiva. Tipicidade formal. Autolavagem. Consunção. Inaplicabilidade.
Situação Fática: Juca Malandro, desembargador do trabalho, recebeu R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para proferir decisões judiciais favoráveis a certo grupo econômico.
Para ocultar a origem espúria dos valores, utilizou-os para adquirir imóveis e veículos que foram colocados em nome de alguns de seus parentes que vivem na zona rural, embora quem usufruísse desses bens fossem Juca e seus filhos.
Controvérsia: Nesse contexto, admite-se que Juca responda pelo crime de corrupção passiva (CP, art. 317) em concurso material com o crime de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º)? Ou, ao revés, deve ser reconhecido o conflito aparente de normas penais a ser resolvido pela aplicação do princípio da consunção?
Decisão: Para a Corte Especial do STJ, na autolavagem não ocorre a consunção entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro.
Fundamentos: O crime de lavagem de dinheiro é autônomo em relação à infração penal antecedente que serve de lastro para a sua prática, tutelando bem jurídico específico (para alguns, a Administração da Justiça, e, para outros, a ordem socioeconômica).
Por isso, pode ser cometido tanto por pessoa distinta daquela que praticara o delito antecedente quanto pelo próprio autor desse injusto penal.
Caso a lavagem de capitais seja perpetrada pelo mesmo autor da infração penal antecedente, haverá a chamada autolavagem (self laundering/autolavado).
É importante destacar que, no âmbito do GAFI, a Recomendação n. 3, que versa especificamente sobre a lavagem de capitais, admite de forma expressa a não criminalização da autolavagem quando tal punição for incompatível com os princípios fundamentais de determinado país. É a chamada “reserva de autolavagem”.
Países como Alemanha, Itália, Suécia e Áustria, por exemplo, exigem, em suas leis, que os crimes de lavagem de dinheiro sejam praticados por pessoas distintas daquelas que cometeram as infrações penais antecedentes.
A ampla maioria dos países, no entanto, não faz a “reserva de autolavagem”. Nesse precedente da Corte Especial do STJ – seu órgão jurisdicional máximo, daí a maior relevância do julgado -, ratifica-se o entendimento de que a legislação brasileira admite a autolavagem.
No STF, por sinal, também é firme o posicionamento nesse sentido, consoante sinalizado no célebre caso do “Mensalão” (AP 470) e em diversos julgados subsequentes (ex.: HC 165036).
Por isso, não há falar em absorção (consunção) da lavagem de dinheiro pela corrupção passiva antecedente praticada pelo mesmo agente, não se cuidando a lavagem, portanto, de mero pos-factum impunível.
De resto, sobreleva esclarecer que não é a mera utilização ou gozo do produto ou proveito da corrupção passiva antecedente que levará ao reconhecimento da prática do crime de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º), sendo necessário que sejam demonstrados atos diversos e autônomos daquele que compõe a realização da primeira infração penal (STJ, Jurisprudência em Teses Ed. 166, n. 7).
Noutras palavras, somente haverá autolavagem se comprovados atos subsequentes, autônomos, tendentes a converter o produto do crime em ativos lícitos, e capazes de ligar o agente lavador à pretendida higienização do produto do crime antecedente (STF, AP 694).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: