STJ, AREsp 1.013.333. Imóvel financiado. Hipoteca. Posse. Modificação da natureza jurídica. Benfeitorias. Indenização. Possibilidade. Direito de retenção. Inexistência.
Situação Fática: Possuidor de boa-fé é proprietário de imóvel adquirido por compra e venda.
Ao contrair financiamento bancário, o referido proprietário dá em garantia real seu imóvel, que passa a ser onerado com hipoteca na matrícula.
Posteriormente, contudo, ante a inadimplência do financiamento, a hipoteca é executada pelo credor e o imóvel é levado a leilão, sendo arrematado ou adjudicado.
Controvérsia: Após a lavratura do auto de arrematação ou de adjudicação, caso o antigo proprietário ainda permaneça no imóvel sua posse ainda conservará o caráter de boa-fé?
Decisão: Para o STJ, não. O leilão com a expropriação da imóvel do devedor é fato suficiente a converter a anterior posse de boa-fé para uma posse de má-fé.
Fundamentos: O tema debatido no julgado é a modificação da titulação da posse que trasmuta/inverte a qualidade da posse (interversio possessionis) que não é presumida, a teor do art. 1.203 do CC: “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.”.
No campo processual a norma estabelece um ônus probatório a quem alega a modificação na natureza da posse.
Segundo o art. 1.203, a ninguém é permitido alterar unilateralmente a configuração de sua posse.
É necessário um fato externo de natureza fática ou jurídica para alterar uma posse de justa para injusta (ou vice-versa), que se for do conhecimento do possuidor segundo o art. 1.201 do CC será também suficiente para alterar sua qualidade de boa-fé para má-fé (ou vice-versa).
O instituto é tratado no Enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil: “É cabível a modificação do título da posse - interversio possessionis - na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.”.
Em termos jurídicos, pelo art. 1.245, caput e § 1º, do CC, transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis e, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Por mais que o possuidor houvesse adquirido antes a propriedade do imóvel mediante contrato de compra e venda, é inegável que com o leilão houve a perda dessa propriedade por expropriação no processo executivo, uma vez que a arrematação ou a adjudicação conferem nova propriedade ao imóvel, como se interpreta do art. 167, I, itens 26 e 29, da Lei 6.015/73.
Como o devedor é intimado pessoalmente da hasta pública do bem, é inegável que tomou conhecimento da perda de seu título de propriedade, sendo inegável que sua posse se converteu em posse de má-fé.
Dessa maneira, o leilão na execução de hipoteca é fato jurídico externo à vontade do possuidor apto a acarretar a interversio possessionis, convertendo a posse do antigo proprietário de boa em má-fé, com os efeitos daí decorrentes, como restrição de indenização apenas às benfeitorias necessárias, a teor do art. 1.220 do CC.
De resto, lembramos que a execução de hipoteca avençada com instituição financeira no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode ser judicial, nos termos da Lei 5.741/71, ou extrajudicial, nos termos do Decreto-Lei 70/66.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: