Informativos do STJ

STJ, CC 177.882. Tráfico internacional. Importação. Apreensão da droga em Centro Internacional dos Correios distante do local de destino. Flexibilização da Súmula n. 528 do STJ.

Você conhece a Súmula 528 do STJ? Eis o seu teor:

“Compete ao Juiz Federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional”

Imagine que a Polícia Federal apreendeu certa encomenda, proveniente do exterior, em Centro Internacional de Distribuição da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), localizado no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Dentro dela, havia importante quantidade de uma substância branca, que, em exame pericial, restou identificada como sendo cocaína. 

Agora, imagine que essa mesma encomenda tinha destinatário certo: Walter White, residente na capital fluminense.

Nessa situação, indaga-se: a competência para processar e julgar o caso seria da Justiça Federal de Guarulhos ou da Justiça Federal do Rio de Janeiro? “Ora, da Justiça Federal de Guarulhos, claro! É o que diz a Súmula 528 do STJ, professor!”

Pois é. Mas não é bem assim.

A Terceira Seção do STJ, em precedente julgado no final de maio de 2021, entendeu, diante de situação em tudo assemelhada àquela que acabamos de retratar, que a Súmula 528 do STJ merece ser flexibilizada, fixando-se a competência para apurar o crime de tráfico internacional de drogas no Juízo Federal correspondente ao endereço para o qual se destinava a encomenda.

A questão é que o destinatário de uma encomenda internacional que contém substâncias entorpecentes deve, no mínimo, ser investigado quanto a possível envolvimento na conduta criminosa. Desse modo, fixar a competência no Juízo Federal da apreensão da droga pode trazer graves entraves à colheita de provas, notadamente quando o destinatário da encomenda — cujo envolvimento na conduta merece ser esclarecido — se situa em local distante do lugar em que a droga fora apreendida. 

Para o STJ, a prestação jurisdicional efetiva depende de investigação policial eficiente. Muito embora, em um primeiro momento, o local da apreensão da droga possa apresentar-se como facilitador da colheita de provas no tocante à materialidade delitiva, em um segundo momento, a distância do endereço do destinatário da droga traz importantes dificuldades acerca das investigações da autoria delitiva, uma vez que os autores do crime possuem alguma ligação com o endereço indicado na correspondência. Por isso, a fixação da competência no local de destino da droga, quando houver postagem do exterior para o Brasil com o conhecimento do endereço designado para a entrega, proporcionará eficiência da colheita de provas relativamente à autoria e, consequentemente, também viabilizará o exercício da defesa de forma mais ampla.

Em suma, o Tribunal da Cidadania concluiu que, na hipótese de importação da droga via correio cumulada com o conhecimento do destinatário por meio do endereço aposto na correspondência, a Súmula 528/STJ deve ser flexibilizada para se fixar a competência no Juízo do local de destino da droga, em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

De resto, dois aspectos merecem ser destacados.

Primeiro, é Interessante notar que o Ministro Rogerio Schietti Cruz, no julgamento do CC 134.421/TJ (DJe 4/12/2014), já havia proposto que, exclusivamente no caso de importação de droga via correio (ou seja, quando conhecido o destinatário), deveria ser reconhecido como competente o Juízo do local de destino da droga. Ficou, entrementes, vencido naquele julgamento. Agora, como se percebe, a Terceira Seção curvou-se a esse pensamento.

Segundo, convém recodar que a Terceira Seção do STJ, no julgamento do CC 172.392/SP, também flexibilizou a incidência da Súmula n. 151/STJ (“A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens”), no caso de contrabando e descaminho, quando a mercadoria apreendida estiver em trânsito e é conhecido o endereço da empresa importadora destinatária da mercadoria, em situação, pois, bastante semelhante àquela ora analisada, concernente à importação de substância entorpecente a destinatário com endereço certo no Brasil.

Confira, para finalizar, a lógica deste outro precedente, atinente à flexibilização da Súmula n. 151 do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. BEM IMPORTADO SEM A NOTA FISCAL. ENCAMINHAMENTO PELO IMPORTADOR A CONSUMIDOR POR VIA POSTAL. COMPETÊNCIA DO DOMICÍLIO DO IMPORTADOR, MAIS CONVENIENTE PARA A DEFESA DO RÉU E MELHOR APARELHADO PARA A INSTRUÇÃO DA CAUSA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do Conflito de Competência n. 172.392/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, firmou entendimento de que, "à luz da mesma interpretação teleológica do art. 70 do Código de Processo Penal - CPP que inspirou a Súmula n. 151/STJ, na singularidade do caso concreto, em que o delito de descaminho em tese praticado foi constatado em procedimento de fiscalização aduaneira, quando a mercadoria encontrava-se em trânsito em local distante da sede da empresa importadora, excepcionalmente, deve ser fixada a competência do Juízo do local da sede da pessoa jurídica, onde haverá maior facilidade de colheita de provas bem como do exercício da ampla defesa." (CC 172.392/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2020, DJe 29/06/2020; sem grifos no original.) 2. Remetida a mercadoria, por via aérea, da cidade de Curitiba/PR para a cidade de Salvador/BA e apreendida em operação de rotina no Aeroporto de Salvador/BA, a competência é da Justiça Federal da Seção Judiciária do Paraná, localidade mais conveniente para a Defesa do Réu e melhor aparelhada para a instrução da causa, nos termos da nova orientação desta Corte, na qual mitigada, excepcionalmente, a Súmula n. 151/STJ. (AgRg no CC 175.150/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 18/12/2020)

Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:

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