STJ, EREsp 1.289.629. Transporte aéreo internacional. Extravio de mercadoria. Falta de especificação do valor. Indenização tarifada. Convenção de Montreal. Cabimento.
Situação Fática: A indenização por extravio de encomendas sujeitas a contrato de transporte aéreo internacional é considerada “tarifada” pelas companhias de aviação, ou seja, tem valores fixos.
Controvérsia: É possível aplicar os valores previstos como indenização constantes na Convenção de Montreal para quantificar os danos materiais decorrentes do contrato de transporte aéreo internacional em detrimento das disposições do Código Civil ou do Código de Defesa do Consumidor?
Decisão: Ratificando o Tema 210 da Repercussão Geral do STF, o STJ entendeu que as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros e cargas, especialmente as Convenções de Varsóvia, Haia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor (se a relação for de consumo) ou ao Código Civil (se a relação for empresarial).
Ademais, o prazo prescricional é bienal, mas a liquidação de danos morais não é tarifada ante a omissão das referidas convenções internacionais, que apenas disciplinam danos materiais.
Fundamentos: Apontando o elemento de conexão do direito internacional privado pela aplicação da lei brasileira (art. 9º, caput, da LINDB), surge a dúvida se o contrato de transporte aéreo internacional também seria regido por acordos internacionais além do CC e do CDC.
Os diplomas internacionais que já regeram a matéria foram a Convenção de Varsóvia de 1929, modificada pela Convenção de Haia de 1955, que por sua vez foram sucedidas pela Convenção de Montreal de 1999.
Até recentemente existiam correntes divergentes nos tribunais superiores sobre a questão.
A tese vencedora, adotada pelo STF em regime de repercussão geral no Tema 210, estabelece que o transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens e cargas é regido tanto pelas leis internas como pelas convenções internacionais, prevalecendo num conflito aparente de normas as disposições específicas e posteriores da Convenção de Montreal de 1999 (que modificou e ratificou as de Varsóvia e Haia) em detrimento do CDC, segundo o critério de solução de antinomias da cronologia e especialidade, previsto no art. 2º, §§ 1º e 2º, da LINDB.
O STJ aclarou nesse julgado que, mesmo que não exista relação de consumo, as referidas convenções internacionais ainda prevalecem sobre o CC diante do princípio da especialidade das normas.
A ordem econômica constitucional, além dos princípios da reparação integral e da proteção do consumidor, também seria regida pela reciprocidade da ordenação do transporte internacional prevista no art. 178, caput, da CF, de maneira que eventual conflito de princípios e normas constitucionais seria solucionado num juízo de ponderação e proporcionalidade, compatibilizando todos os postulados da ordem econômica entre si porque não existe hierarquia entre as normas constitucionais.
É sabido que os arts. 25, 51, I, do CDC repudiam a exclusão, tarifação ou limitação no dever de indenizar, considerando-as nulas de pleno direito.
Existe ainda o princípio da reparação integral (restitutio in integrum) que determina que a indenização se mede pela extensão do dano como regra, salvo desproporção excessiva entre a culpa e o dano, conforme art. 944 do CC.
Entretanto, no âmbito do transporte aéreo internacional adota-se a regra da indenização tarifada para danos materiais, tanto no transporte de pessoas como de coisas, fixando a limitação da responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso em 1.000 (mil) Direitos Especiais de Saque (DES) por passageiro, conforme artigo 22, item 2, da Convenção de Varsóvia, artigo 22, itens 2 e 4, da Convenção de Varsóvia com redação dada pela Convenção de Haia, e artigo 22, item 2, artigo 23, item 1, da Convenção de Montreal.
A definição do valor do DES fica a cargo do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A razão histórica da limitação na indenização imposta no início do século XX justificava-se pelo “risco do ar” que era a necessidade de proteção à indústria da aviação ainda incipiente, em processo de afirmação de sua viabilidade econômica e tecnológica.
Curiosamente a regra ainda é ratificada em tratados de direito internacional público, não obstante o meio de transporte aéreo estatisticamente esteja entre os mais seguros, sob a justificativa de que economicamente as empresas aéreas operam com margem de lucro limitada e sujeitas a preços internacionais de custos e insumos, o que justificaria uma padronização no risco jurídico do empreendimento.
Embora a Convenção de Varsóvia, Haia e Montreal prevejam e regulem expressamente a indenização por danos materiais ou patrimoniais, nada regulam acerca dos danos morais ou extrapatrimoniais.
Frente a essa omissão, o STF e o STJ integram a lacuna aplicando o microssistema civil constitucional brasileiro na regência do instituto do dano moral, cuja indenização não sofrerá limitações seja no an debeatur ou no quantum debeatur.
É dizer, na hipótese de dano moral relacionado ao transporte aéreo internacional, o julgador é livre para conhecer do pedido e na eventual procedência da pretensão deverá estipular o valor que entender justo para a situação, sem qualquer tarifação nem limitação de valores, desde que observados os parâmetros e requisitos previstos pelos diplomas nacionais de direito privado, a exemplo do CDC ou do CC.
Assim, será cabível no contrato aéreo de transporte internacional a reparação por danos morais sempre que surgir ofensa a direito da personalidade, sendo admissível em tese a cumulação entre danos materiais e morais no transporte aéreo internacional se for aplicável a lei brasileira segundo os critérios de conexão do direito internacional privado.
Por outro lado, embora a regra de prescrição consumerista para danos materiais e morais seja de 5 anos (quinquenal) nos moldes do art. 27 do CDC e a regra geral de prescrição para a reparação civil nas relações privadas entre iguais (não hipossuficientes) seja de 3 anos (trienal) conforme art. 206, § 3º, V, do CC, os quais são contados a partir da violação do direito segundo o princípio da actio nata previsto no art. 189 do CC, os tratados internacionais que regem o transporte aéreo internacional preveem um prazo prescricional reduzido de 2 anos (bienal) com termo inicial de contagem diverso, a contar da chegada da aeronave, para a ação de indenização, conforme artigo 29, itens 1 e 2, da Convenção de Varsóvia, e artigo 35, itens 1 e 2, da Convenção de Montreal.
Entendendo pela prescrição de 2 anos (bienal) na pretensão de reparação civil no transporte aéreo internacional, segue precedente do STF: RE 297901, Segunda Turma, julgado em 07/03/2006.
Como corolário da tese fixada pelo STF em regime de repercussão geral, que aplica as disposições específicas das convenções internacionais que regem o transporte aéreo em detrimento do CDC e do CC com fundamento no art. 178 da CF, entende-se que o prazo prescricional é uno para a reparação de quaisquer danos, sejam materiais ou morais, sendo sempre de 2 anos (bienal), estando superada a antiga posição do STJ (overruling) que aplicava o prazo prescricional maior, de 5 anos, para as relações de consumo, e de 3 anos para as relações privadas entre iguais.
Por fim, a tese fixada pelo STF em repercussão geral não alcança o transporte nacional de pessoas, bagagens e cargas, excluído do âmbito de abrangência das Convenções de Varsóvia, Haia e Montreal, não se admitindo nenhuma limitação de tarifação, já que o STJ já afastou as disposições em contrário dos arts. 257, 260, 262, 269, 277, 280 e 317 da Lei 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica - CBA) que impunham limitação no valor da indenização e prazo prescricional bienal, dando integral prevalência ao disciplinado pelo CDC e CC na responsabilização civil do transportador aéreo nacional ou doméstico.
Assim, é fundamental atentar-se se estamos diante de transporte aéreo internacional ou nacional para se fixar o regime indenizatório apropropriado.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: