STJ, HC 455.097. Medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis. Monitoramento eletrônico. Detração. Cabimento. CP, art. 42. Rol não taxativo.
Consoante a dicção do art. 42 do CP, computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa (somente cabível no estrangeiro, pois a CF/1988 proíbe a prisão administrativa) e o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Trata-se do instituto da detração. Ex.: Mévio é acusado da prática do crime de homicídio, permanecendo preso provisoriamente durante 8 meses. Sendo condenado a 12 anos de reclusão, os 8 meses serão computados, ou seja, serão abatidos desse total, restando 11 anos e 4 meses a serem cumpridos.
Detração
Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
O instituto, à evidência, inspira-se no princípio do non bis in idem. Seria, com efeito, rematado absurdo computar como pena efetivamente cumprida a prisão após o trânsito em julgado e não considerar, nesse cômputo, a prisão suportada antes mesmo que o juízo condenatório restasse acobertado pelo manto da coisa julgada material.
Como visto, pela literalidade do art. 42 do CP, a detração diz respeito, sobretudo, ao tempo de prisão provisória. Seria possível computar, em detração, o tempo em que o acusado ficou sujeito a medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis (CPP, art. 319, V), supervisionado por monitoramento eletrônico (CPP, art. 319, IX)?
A Quinta e a Sexta Turmas do STJ tinham posicionamentos antagônicos na matéria.
Para a Quinta Turma, a hipótese em testilha dá ensejo à detração:
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA À PRISÃO. RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO. POSSIBILIDADE. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂMBITO DA QUINTA TURMA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Consolidou-se na Quinta Turma deste Tribunal entendimento no sentido de que, a despeito da inexistência de previsão legal para a detração penal na hipótese de submissão do sentenciado a medidas cautelares diversas da prisão, o período de recolhimento domiciliar noturno, por ensejar a privação de liberdade do apenado, deve ser detraído da pena, em observância aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem. (AgRg no HC 612.328/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021)
PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECOLHIMENTO DOMICILIAR. DETRAÇÃO. POSSIBILIDADE. CÁLCULO DE DESCONTO DA DETRAÇÃO. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A Jurisprudência desta Corte entende que, embora não exista previsão legal quanto ao instituto da detração para medidas cautelares alternativas à prisão, o período de recolhimento noturno, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período detraído, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem. 2. Portanto, se na medida cautelar de recolhimento noturno entende-se comprometido o status libertatis do acusado, com mais razão ainda deve ser aplicada a detração na medida cautelar de recolhimento de fim de semana e feriados, pois a restrição é efetiva, como se prisão fosse. (AgRg no REsp 1895641/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021)
A Sexta Turma, no entanto, sustentava posicionamento oposto:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO (SEM MONITORAÇÃO ELETRÔNICA). DETRAÇÃO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES DA SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não é possível a detração, na pena privativa de liberdade, do tempo em que o Acusado foi submetido a medida cautelar diversa da prisão (recolhimento domiciliar noturno, sem monitoração eletrônica), em razão da ausência de previsão legal e por não consistir a medida em efetivo comprometimento do direito de locomoção do Réu. Precedentes. 2. "Em consonância com a orientação jurisprudencial desta Corte, o período de cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, como, por exemplo, o recolhimento domiciliar noturno, não deve ser computado para fins de detração penal." (AgRg no HC n. 562.045/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 18/05/2020). (AgRg no HC 515.444/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020)
Diante do flagrante dissídio pretoriano, a Terceira Seção foi provocada a uniformizar o entendimento do Tribunal da Cidadania na matéria. E, nessa uniformização da jurisprudência, prevaleceu o entendimento esgrimido pela Quinta Turma (conforme noticiado no Inf. 693 do STJ: HC 455.097/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/04/2021), favorável, como visto, ao apenado.
De fato, firmou-se compreensão no sentido de que é possível considerar o tempo em que o condenado esteve submetido à medida cautelar de recolhimento noturno, aos finais de semana e dias não úteis (CPP, art. 319, V), supervisionados por monitoramento eletrônico (CPP, art. 319, IX), como tempo de pena efetivamente cumprido, para fins de detração.
Enfatizou-se que a medida cautelar diversa da prisão que impede o acautelado de sair de casa após o anoitecer e em dias não úteis assemelha-se ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto. Como não se tem dúvida de que a prisão em tal regime autoriza a detração (lembre-se, a propósito, da Súm. 717 do STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”), pela mesma razão deve ser admitido o desconto, na pena final, do período em que o apenado esteve obrigado a recolher-se em decorrência da medida cautelar em foco. Invocou-se, nesse sentido, o decantado postulado do ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio (onde existe a mesma razão fundamental, aplica-se a mesma regra jurídica), que inspira o instituto da analogia (ou seja, houve autêntica analogia in bonam partem).
Ponderou-se, outrossim, que impedir a detração do tempo de recolhimento noturno e aos finais de semana (CPP, art. 319, V; frise-se que, no caso analisado, também fora aplicada, cumulativamente, a medida cautelar de monitoramento eletrônico – CPP, art. 319, IX) sujeitaria o apenado a excesso de execução, uma vez que existente limitação objetiva à liberdade, mesmo em se cuidando, legalmente, de medida cautelar substitutiva à prisão. Em reforço, ventilou-se, também, o argumento de que a interpretação dada ao art. 42 do CP, no caso em apreço, ao favorecer o sentenciado, harmoniza-se com o princípio da humanidade, “que impõe ao Juiz da Execução Penal a especial percepção da pessoa presa como sujeito de direitos”. A partir desse raciocínio, indicou a Terceira Seção que o art. 42 do CP não contempla rol taxativo (exaustivo), concluindo, destarte, que o período de recolhimento domiciliar, aplicado simultaneamente a monitoração eletrônica, para fiscalização de seu cumprimento, deve ser passível de detração penal.
Uma importante ressalva, porém, merece ser sublinhada. Conquanto não conste da notícia veiculada no Informativo 693 do STJ (e até o lançamento desta edição do InfoEmagis em Pauta o respectivo acórdão não havia sido publicado), o site do STJ, em notícia na qual divulgado esse precedente uniformizador, colocou em destaque um relevante aspecto do julgado. Acolhendo a pertinente observação do ministro Rogério Schietti — que chamou a atenção para o fato de que o recolhimento imposto com base no inciso V do art. 319 do CPP, diversamente da prisão preventiva, tem restrições meramente pontuais ao direito de liberdade —, restou decidido que o cálculo da detração considerará a soma da quantidade de horas efetivas de recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica, as quais serão convertidas em dias para o desconto da pena. Ou seja, a contagem deve ser feita em horas (para, depois, convertê-las em dias, para fins de detração), considerando apenas o período em que efetivamente o sentenciado esteve sujeito ao recolhimento domiciliar (e não, pois, o total de dias correspondentes à duração da medida cautelar), de sorte que o tempo correspondente ao período em que era permitido ao apenado sair de casa, na vigência da medida acauteladora, não deve ser levado em conta no cálculo detracional.
De resto, cumpre notar que não se trata de reconhecer que toda e qualquer medida cautelar diversa à prisão (CPP, art. 319) autoriza a detração. Com efeito, à exceção da medida cautelar disposta no inciso VIII (“internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração”) — que se ajusta perfeitamente na terceira hipótese albergada pelo art. 42 do CP (“internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico”) —, todas as demais medidas cautelares diversas da prisão não podem ser com esta equiparadas (ex.: fiança; comparecimento período em juízo; proibição de ter contato com determinadas pessoas etc.). Noutras palavras, continua sendo errôneo afirmar, genericamente, que seria devida a detração de medidas cautelares diversas à prisão.
A propósito, citamos, por todos, o seguinte precedente do STF:
“(...) CAUTELAR – TEMPO – DETRAÇÃO – INVIABILIDADE. Ausente previsão legal, mostra-se inadequada a consideração do tempo pertinente a cautelar diversa da custódia, como se esta fosse. (HC 144429, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 24/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 18-09-2020 PUBLIC 21-09-2020)
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/22042021-Terceira-Secao-admite-que-tempo-de-recolhimento-domiciliar-com-tornozeleira-seja-descontado-da-pena.aspx.