STJ, REsp 1.487.596-MG. Multiparentalidade. Pais biológico e socioafetivo. Efeitos patrimoniais e sucessórios. Tratamento jurídico diferenciado. Impossibilidade.
Situação Fática: Pedrinho é enteado de Carlos, seu padrasto, que o criou como se filho o fosse até o instante de seu falecimento.
Após o óbito de Carlos, por julgar-se um filho “verdadeiro” de Carlos, Pedrinho buscou em juízo o reconhecimento de seus direitos sucessórios a fim de que fosse reconhecido como herdeiro na qualidade de filho socioafetivo, em igualdade de condições com os filhos biológicos de Carlos.
Pedrinho não pleiteou em nenhum momento a desconstituição de sua paternidade em relação a seu pai biológico.
Controvérsia: O juiz de 1º grau entendendo que Pedrinho já teria um pai biológico, que inclusive consta em sua certidão de nascimento, reputou como juridicamente impossível o reconhecimento concomitante da filiação socioafetiva com a biológica, por reputar que o direito brasileiro só admitiria até 2 genitores por pessoa natural.
O magistrado consignou que o máximo que Pedrinho poderia pleitear seria apenas a justaposição do sobrenome do padrasto ao seu, com espeque no art. 57, § 8º, da Lei 6.015/73, incluído pela Lei 11.924/09, mas sem quaisquer efeitos patrimoniais nem sucessórios.
Agiu corretamente o magistrado ao declarar carência de ação e extinguir o processo sem resolução do mérito?
Decisão: Para o STJ, não. O pedido de Pedrinho era possível e tutelado pelo direito, devendo seu mérito ser julgado, procedente ou improcedente, pelo juiz. A multiparentalidade ou pluripaternidade é admitida no ordenamento pátrio, sendo sim possível a concomitância da paternidade biológica com a socioafetiva, inclusive com efeitos patrimonias e sucessórios.
Fundamentos: No instituto da multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva.
Essa foi a conclusão da Quarta Turma do STJ no REsp 1.487.596-MG.
Os fundamentos da decisão se basearam na tese de repercussão geral do STF no Tema 622 (“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.).
A multiparentalidade não se confunde com outros institutos modernamente já aceitos e protegidos no direito de família. É dizer, pluripaternidade não se trata de casamento ou união estável entre pessoas do mesmo sexo (homoafetivas) já reconhecidas pelo direito brasileiro.
Multiparentalidade também não trata de práticas não reconhecidas juridicamente, como casamento ou união estável entre 3 (três) ou mais pessoas, tampouco de simultaneidade de relacionamentos envolvendo um cônjuge ou um(a) companheiro(a) adúltero(a) em casamentos concomitantes (bigamia), casamento simultâneo com união estável (concubinato) ou uniões estáveis simultâneas.
Multiparentalidade se trata de ter mais de 2 (dois) troncos familiares paternos e/ou maternos, é o reconhecimento da poliascendência com a concomitância de pais e/ou mães biológicos e socioafetivos ao mesmo tempo.
Em regra a pessoa possui como ascendência 2 (dois) troncos familiares, um paterno e outro materno.
A exceção até então existente no ordenamento era a adoção unilateral prevista no art. 42 do ECA, no qual o adotado apenas teria 1 (um) tronco familiar, o do único adotante (independentemente do sexo).
Com o Tema 622 do STF uma pessoa, em tese, poderia ter até 4 (quatro) troncos familiares: pai biológico, pai socioafetivo, mãe biológica e mãe socioafetiva, ainda sendo possível que esses genitores ou ascendentes sejam ou não do mesmo sexo.
Ao contrário de doutrinas de vanguarda que admitiriam até 3 filiações que resultariam em até 6 (seis) ascendências (biológica, afetiva e ontológica), não foi essa a tese admitida pelo STF, que se limitou a declarar a simultaneidade apenas entre a ascendência biológica e a socioafetiva.
A tese admitida pelo STF funda-se no art. 226, § 7º, da CF que prega o exercício da paternidade responsável, enquanto a doutrina invoca ainda o art. 227, § 6º, que proíbe a discriminação entre os filhos, havidos ou não do casamento.
Ao admitir-se a concomitância dos vínculos de ascendência - biológico e socioafetivo - para a paternidade e/ou maternidade, surgem como consequências a multi-hereditariedade e a multialimentância, já que o filho será herdeiro necessário de todos os seus ascendentes e também poderá pleitear alimentos de todos, como, eventualmente, ser também condenado a alimentar todos os seus ascendentes.
Outras discussões possíveis de serem aventadas estão nos campos tributário (dependentes do imposto de renda), previdenciário (dependentes previdenciários para pensão por morte e auxílio-reclusão) e consumerista (dependentes em planos e seguros de saúde).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: