STJ, REsp 1.811.718. Ação de reintegração de posse. Composse. Litisconsórcio passivo necessário. Ausência de citação. Nulidade. Vício transrescisório. Alegação em simples petição. Possibilidade.
Situação Fática: Proprietário de um imóvel descobriu que sua posse fora esbulhada por diversos invasores que passaram a morar na casa situada num local conhecido pela grande quantidade de “moradores de rua”.
Sem saber identificar com precisão quem havia invadido o imóvel, o proprietário diligenciou junto à Companhia Concessionária de Energia Elétrica o nome e os dados da pessoa que figurava na conta de luz do imóvel como consumidora da unidade habitacional.
O proprietário ajuizou, então, ação de reintegração de posse contra a consumidora que figurava na conta de luz.
O juiz determinou a emenda à petição inicial para correção do polo passivo, por entender que da narrativa autorial decorreria o fenômeno da composse a exigir o litisconsórcio passivo necessário.
O autor, informando que não teria condições de individualizar os demais esbulhadores, acresceu o termo “e demais invasores” na qualificação do polo passivo da petição inicial.
O juiz admitiu a emenda como positiva e determinou a citação.
O oficial de justiça certificou que a consumidora de energia elétrica recebeu cópia do mandado citatório e se declarou “matriarca e responsável por seus filhos, noras e netos que também moravam no imóvel”.
Controvérsia: Numa ação de reintegração de posse que envolva um grande número de esbulhadores o autor deverá elencar no polo passivo mais de uma pessoa? Há vício na citação dos demais compossuidores se apenas 1 (um) possuidor é citado na posessória?
Decisão: Para o STJ, sim. A citação é, em regra, pessoal, não podendo ser realizada em nome de terceira pessoa, salvo hipóteses legalmente previstas, como a de tentativa de ocultação (citação por hora certa), ou, ainda, por meio de edital, quando desconhecido ou incerto o citando.
Fundamentos: Na hipótese de composse, a decisão judicial de reintegração de posse deverá atingir de modo uniforme todas as partes ocupantes do imóvel, configurando-se caso de litisconsórcio passivo necessário pela natureza da relação jurídica, nos termos do art. 114 do CPC.
A ausência da citação de qualquer litisconsorte passivo necessário enseja a nulidade da sentença, por força do art. 115, I, do CPC.
Inclusive esse vício da inexistência de citação dos demais litisconsorte é tão grave que sequer se sujeita ao prazo decadencial de 2 anos da ação rescisória, sendo um vício transrescisório passível de ser arguido a qualquer tempo através de uma ação declaratória de ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, IV, do CPC), naquilo que a jurisprudência e a doutrina nomeiam de querela nullitatis.
Diferentemente da ação rescisória que deve ser dirigida para um tribunal, a falta ou nulidade da citação tanto pode ser arguida através de ação autônoma dirigida ao juiz de 1º grau (querela nullitatis) como pode ser alegada mediante simples petição na fase de cumprimento de sentença, conforme previsto expressamente no art. 525, § 1º, I, e art. 535, I, ambos do CPC.
Um detalhe não abordado pelo julgado é que a situação fática coloca o possuidor esbulhado numa situação difícil sempre que sejam vários os invasores de um imóvel, dificultando a identificação e individualização de todos os esbulhadores.
Com base na instrumentalidade das formas, na efetividade processual e visando evitar a configuração de nulidade por ausência de citação de todos os compossuidores, o CPC/2015, no art. 554, §§ 1º a 3º, regulou expressamente como ocorrerá a citação nesse litisconsórcio multitudinário, permitindo a citação pessoal daqueles que sejam identificáveis e por edital dos demais, com a intervenção obrigatória do Ministério Público e, havendo hipossuficientes, também da Defensoria Pública.
Eis dispositivo legal:
“Art. 554. (...) § 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública. § 2º Para fim da citação pessoal prevista no § 1º, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados. § 3º O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação prevista no § 1º e dos respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios.”.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: