STJ, REsp 1.863.952. Fraude à execução. Súmula 375/STJ e Tema 243. Alienações sucessivas. Aplicabilidade.

Situação Fática: “A” deve dinheiro a “B”. Após haver sido citado num processo de execução movido pelo credor “B”, “A” vende para “C” seu único bem dotado de valor econômico – um relógio – e tão logo recebe o pagamento, gasta-o com bens de consumo supérfluos.
Depois “C” vende novamente o relógio, agora para “D”. “C” tem conhecimento da dívida para com “B” e da pendência de processo de execução contra “A”, mas “D” desconhece esses fatos.
Controvérsia: Eventual decisão incidental que reconheça a fraude à execução sobre a venda do relógio de “A” para “C” também tornará ineficaz, automaticamente, a alienação de “C” para “D”?
Decisão: Para o STJ, como “D” estava de boa-fé, não é possível que o reconhecimento da fraude à execução sobre uma primeira alienação contamine, automaticamente, as alienações posteriores. Para o reconhecimento da fraude à execução em desfavor do comprador exige-se que: (a) o bem alienado esteja sujeito a registro público e haja registro ou averbação sobre a dívida ou ato do processo (presunção de conhecimento); ou (b) se comprove que o comprador agiu de má-fé (prova de conhecimento da dívida e do processo). REsp 1.863.952-SP.
Fundamentos: A fraude à execução é uma exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial previsto no art. 789 do CPC e no art. 391 do CC, segundo o qual pelo adimplemento das obrigações responde o patrimônio atual e futuro do devedor.
O instituto da fraude à execução é uma exceção que amplia a regra da responsabilidade patrimonial, permitindo que bens passados – isto é, que não mais integram o patrimônio do devedor por haverem sido alienados – possam responder pela dívida mesmo que estejam atualmente no patrimônio de outrem.
O instituto da fraude contra credores pressupõe a ciência pelo devedor de demanda judicial relacionada com a cobrança de dívida ou efetivação de direito real que possa vir a ser frustrada com um ato de alienação ou oneração sobre bem que integre o patrimônio do devedor, acarretando insolvência na responsabilidade patrimonial ou óbice à pretensão reipersecutória (eventus damni).
No julgado o STJ ratificou seu entendimento constante na Súmula 375 e na tese constante do Tema 243 de Recursos Repetitivos, ambos cristalizados à época do CPC/73 mas que continuam válidos também para o atual CPC/15. Pelo art. 792 do CPC são pressupostos genéricos da fraude à execução, cumulativamente: 1) processo judicial de conhecimento ou de execução em trâmite contra o devedor/executado; e 2) conhecimento disso pelo adquirente do bem do devedor, que pode ser dar através de: 2.1) registro, na matrícula do bem, da penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação premonitória ou, então, 2.2) prova da má-fé do terceiro adquirente.
Cabe salientar que só o registro ou cadastro público com sua eficácia de publicidade é dotado da presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento perante terceiros. Nos demais bens não sujeitos a registro, aplica-se o brocardo de que “a boa-fé se presume e a má-fé se prova”, de maneira que é ônus do credor prejudicado com a alienação do bem pelo vendedor comprovar que o terceiro sabia da existência do processo de cobrança/execução.
Daí que só se existir um cadastro público relacionado ao bem e adicionalmente haja registro ou averbação sobre a dívida ou ato de processo judicial é que a fraude a execução pode ser aplicada de forma automática, sobre diversas alienações sucessivas do bem que era originalmente do devedor.
Do contrário, se não houver assento em registro público, o credor para permitir que esse bem alienado responda pelo adimplemento da dívida por fraude à execução deverá comprovar in concreto a má-fé de cada adquirente, não havendo que falar em desconstituição automática da eficácia dos negócios jurídicos de compra e venda sucessivos quanto ao credor.
Cabe salientar que o julgado do STJ não enfrentou o § 2º do art. 792 (“No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.”) que estabelece um dever de diligência (due diligence) para que a boa-fé reste caracterizada no caso de bens não sujeitos a cadastros e registros públicos, o que obtemperaria a presunção de boa-fé do terceiro adquirente.
Os bens por excelência sujeitos a registro são os imóveis nos termos do art. 1.245 do CC. Esclarecemos que os veículos automotores terrestres – a despeitos de bens móveis – possuem registro junto ao órgão de trânsito (DETRAN) cuja situação é retratada no certificado de propriedade (CRLV), existindo previsão legal de sua eficácia como registro público para fins de alienação fiduciária e leasing (art. 6º da Lei 11.882/08), propriedade fiduciária (art. 1.361, § 1º, do CC) e consórcio (art. 14, § 7º, da Lei 11.795/08), consolidando a posição da Súmula 92 do STJ (“A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor.”).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: