STJ, REsp 1.863.973. Empréstimo comum em conta-corrente. Limitação dos descontos das parcelas. Não cabimento. Lei n. 10.820/2003. Aplicação analógica. Impossibilidade. Tema 1085.
Situação Fática: Correntista de banco contrai empréstimo bancário com a própria instituição financeira.
Nesse contrato de mútuo feneratício há previsão contratual que as prestações mensais seriam pagas através de débito automático na conta-corrente ante a autorização expressa do mutuário-correntista para tanto.
O mutuário-correntista é empregado junto a uma empresa privada e também recebe seu salário mensal mediante depósito a crédito na mesma conta-corrente.
Controvérsia: No âmbito do contrato de mútuo feneratício, em que há expressa autorização do mutuário-correntista para o desconto em conta-corrente das prestações, seria aplicável por analogia a limitação da margem consignável de 30% sobre a remuneração disponível prevista na Lei 10.820/03?
Decisão: Para o STJ, não. Como o instituto do “desconto em conta-corrente” não se confunde com o “desconto em folha de pagamento”, uma vez que o primeiro é revogável a qualquer tempo enquanto o último é irrevogável, não há similitude que justifique a pretensa analogia.
A tese aprovada no Tema 1.085 de Recurso Repetitivo foi a seguinte: “São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.”.
Fundamentos: Em se tratando de desconto em conta-corrente, estamos diante de um contrato de mútuo bancário simples e não daquele conhecido como empréstimo consignado em folha de pagamento, ainda que ambos tragam a previsão de desconto para fins de adimplemento.
O desconto em conta-corrente trata-se de uma faculdade que pode ser revogada a qualquer tempo pelo correntista-mutuário (ainda que isso possa licitamente aumentar a taxa de juros cobrada pelo banco ante o aumento no risco de inadimplência) e pela natureza do contrato de conta-corrente os valores são debitados independentemente da origem salarial dos recursos disponíveis como saldo à disposição do correntista.
Já o empréstimo consignado tem o desconto em folha como compulsório e irrevogável, incidente obrigatoriamente sobre verbas salariais, que sequer entram na esfera de disponibilidade do mutuário, uma vez que são transferidos diretamente da fonte pagadora para o credor mutuante, sequer ingressando na conta-corrente indicada para recebimento de salário/remuneração.
Por essa razão, descabe a analogia para aplicação ao desconto em conta-corrente da previsão legal que versa sobre limite de desconto consignado em folha de pagamento, ou seja, não há supedâneo legal nem razoabilidade na adoção da mesma limitação, que seria uma intervenção judicial descabida, contrariando a autonomia da vontade das partes no exercício da liberdade de contratar e a força obrigatória dos contratos.
Relembramos que o instituto do empréstimo consignado está previsto na Lei 10.820/03 (trabalhadores da iniciativa privada), Lei 8.112/90 (servidores civis federais), Lei 8.213/91 (aposentados e pensionistas do INSS) e MP 2.215-10/01 (militares federais).
A margem consignável que era de 30% foi ampliada em mais 5% exclusivamente para despesas e saques de cartão de crédito (Lei 13.172/15).
Esse limite de 30% também foi elevado temporariamente para 35% ante a pandemia do coronavírus — COVID-19 (MP 1.006/00 convertida na Lei 14.131/21).
Por fim, registre-se que a margem consignável nas Forças Armadas é maior, alcançando até 70% da remuneração ou proventos (art. 14, § 3º, da referida MP).
De resto, cumpre aclarar que o entendimento do STJ não é novo e já estava consolidado desde o julgado (REsp 1.555.722) que cancelou a Súmula 603 do STJ, e no qual se decidiu que “É lícito o desconto em conta-corrente bancária comum, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado, sem que o correntista, posteriormente, tenha revogado a ordem.”
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: