STJ, REsp 1.868.188. Relação avoenga. Ação declaratória. Falecimento da autora. Cônjuge supérstite. Sucessão processual. Ilegitimidade. Direito personalíssimo.
Situação Fática: Aristóteles é filho registrado de Platão que, por sua vez, é filho biológico de Sócrates, o qual nunca reconheceu tampouco registrou esse último como seu filho.
Platão faleceu sem jamais demonstrar vontade de ingressar com uma ação de reconhecimento de paternidade contra Sócrates, a despeito da insistência de Aristóteles. Pouco depois, Sócrates também vem a falecer.
Vendo-se excluído do inventário e da partilha da herança de Sócrates, Aristóteles decide de ingressar com uma ação declaratória de que é neto do falecido cumulada com petição de herança, que é ajuizada contra todos os outros herdeiros de Sócrates.
Entretanto, no curso da lide e antes da sentença de mérito, Aristóteles vem a falecer.
Controvérsia: Aristóteles possui legitimidade e interesse de agir para ajuizar uma ação declaratória de relação avoenga cumulada com petição de herança mesmo diante da inércia de seu pai, Platão, quando vivo? Com o falecimento de Aristóteles no curso da lide e antes da sentença, poderiam seus herdeiros lhe suceder no processo?
Decisão: Para o STJ sim e não, respectivamente.
Fundamentos: Ação de reconhecimento de estado de filiação, como regra, é personalíssima conforme previsão do art. 27 do ECA.
O art. 1.606, caput, in fine, do CC obtemperou esse caráter intuitu personae ao prever que os herdeiros do filho morto poderiam ingressar com ação de filiação sempre que esse falecesse menor ou incapaz, é dizer, sem capacidade de fato para o exercício de atos da vida civil.
A contrario sensu, morrendo o pretenso filho capaz, seus herdeiros não poderiam ingressar com uma ação declaratória de filiação, por ser, regra geral, exclusiva só do filho.
Visando a superar esse impasse, por criação jurisprudencial, o STJ passou a admitir que os netos, em nome próprio e só após o falecimento de seu pai/mãe, pudessem ingressar com ação declaratória avoenga (reconhecimento do estado de neto), que, frise-se, não são propriamente ações de filiação: “A Turma, por maioria, entendeu aplicar o art. 1.606 do CC ao caso, concluindo pela ilegitimidade ativa da neta para ajuizar ação de produção antecipada de provas, em detrimento de pretenso avô, por se encontrar vivo o seu genitor, ausente legitimação concorrente entre classes de graus diferentes para postularem o reconhecimento de parentalidade, havendo apenas legitimação sucessiva e a partir da extinção da geração mais próxima do investigado. REsp 876.434-RS, Rel. originário Min. Raul Araújo, Rel. para o acórdão Min. Marco Buzzi, julgado em 1º/12/2011.”.
O presente entendimento está cristalizado no Enunciado 521 da V Jornada de Direito Civil do CJF: “Qualquer descendente possui legitimidade, por direito próprio, para propor o reconhecimento do vínculo de parentesco em face dos avós ou de qualquer ascendente de grau superior, ainda que o pai não tenha iniciado a ação de prova da filiação em vida.”.
Assim, Aristóteles tem legitimidade e interesse nos termos do art. 17 do CPC para ingressar contra seu pretenso avô Sócrates para que seja declarado seu estado de neto (relação avoenga).
Sendo Sócrates já falecido, a demanda deve ser ajuizada contra todos os herdeiros desse e pode ser perfeitamente cumulada com a pretensão de petição de herança prevista no art. 1.824 do CC.
Com o falecimento de Aristóteles no curso da lide, como as ações de reconhecimento de estado são personalíssimas, surge a dúvida: seus herdeiros poderiam lhe suceder na ação já ajuizada por integração analógica da regra contida no parágrafo único do art. 1.606 do CC (“Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo”)? Entendeu o STJ que como a ação ajuizada não se tratava de reconhecimento de filiação (estado de filho), mas sim de reconhecimento de relação avoenga (estado de neto), não seria possível a analogia nem interpretação extensiva.
Dever-se-ia aplicar a regra geral de que o processo será extinto sem resolução de mérito por intransmissibilidade do direito das ações de estado de pessoas com espeque no art. 485, IX, do CPC.
Sendo o parágrafo único do art. 1.606 uma regra de exceção, seria aplicável o brocardo latino de que as exceções se interpretam restritivamente (exceptiones sunt strictissimoe interpretationis).
O STJ ainda alegou razões de pacificação social, para evitar a judicialização das relações familiares por diferentes gerações. Daí que a sucessão processual de herdeiros apenas seria possível nas ações de filiação e não nas de relação avoenga.
Por outro lado, como o direito à sucessão aberta é um bem imóvel por ficção legal (art. 80, II, do CC), é plenamente possível que exista a sucessão pelos herdeiros do neto quanto à pretensão de petição de herança, que deverá ter seu mérito julgado nos termos do art. 487 do CPC, embora dificilmente o será pela procedência como consignado nos votos vencedores dos ministros do STJ, pois o herdeiro no caso concreto era o cônjuge do neto falecido no curso da lide.
Não foi discutido no processo, mas se Aristóteles tivesse tido filhos, esses enquanto pretensos bisnetos de Sócrates poderiam ingressar em nome próprio para declarar a relação biavoenga (estado de bisneto) e pleitear a petição de herança contra os outros herdeiros de Sócrates (lembre-se que a pretensão de petição de herança é transmissível), desde que ainda não houvesse transcorrido o prazo da prescrição aquisitiva dos bens da herança pelos demais herdeiros por usucapião.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: