STJ, REsp 1.894.758. Transferência de imóvel. Valor superior ao teto legal. Escritura pública. Validade. Procuração em causa própria. Instrumento público. Necessidade.

Situação Fática: José decide comprar de Maria um lote de terra nua localizado em área urbana de valor superior a 30 salários mínimos. José ainda não havia juntado todo o dinheiro necessário tampouco Maria havia saldado débitos de IPTU de exercícios anteriores sobre o imóvel. Mas decidindo “firmar negócio”, ambos assinam uma promessa de compra de venda de imóvel para concluírem a compra em data futura, enquanto cada um resolvesse suas pendências.
Controvérsia: Reunindo o dinheiro necessário, José vai até Maria mas ela ainda não havia pago o IPTU. José e Maria aceitam abater do preço acordado o valor do IPTU, a fim de que José compareça à prefeitura e quite o tributo, assim obtendo a CND necessária para permitir a transmissão da propriedade.
José exige no ato do pagamento que Maria assine uma procuração em causa própria em seu favor, a fim de que possa representar Maria junto ao Cartório de Notas por ocasião da lavratura da escritura pública definitiva de compra e venda do imóvel.
Surge a dúvida: como o imóvel é avaliado em mais de 30 salários mínimos, essa procuração poderia ser sob a forma de escritura particular?
Decisão: Para o STJ não, a forma pública da procuração é essencial à validade do ato. REsp 1.894.758-DF.
Fundamentos: Para resguardar a segurança jurídica, dispõe o art. 108 do CC que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 vezes o salário mínimo.
Sobre qual o critério a ser utilizado para se verificar se o valor excede ou não a esse teto, o STJ entende que “Para a aferição do valor do imóvel para fins de enquadramento no patamar definido no art. 108 do CC - o qual exige escritura pública para os negócios jurídicos acima de trinta salários mínimos -, deve-se considerar o valor atribuído pelo Fisco, e não o declarado pelos particulares no contrato de compra e venda.” (REsp 1.099.480-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/12/2014, DJe 25/5/2015)”.
Como o art. 657 do CC estabelece o princípio da simetria das formas, a outorga do mandato (que é a procuração) está sempre sujeita à mesma forma exigida por lei para o ato a ser praticado.
É dizer, se determinado ato jurídico exige a escritura pública, a procuração que permita a prática desse ato também deve adotar a forma pública, sob pena de nulidade.
A procuração em causa própria é bastante usual na prática negocial imobiliária, quando as partes ainda não detêm a totalidade do preço e/ou quando existem pendências sobre o imóvel ainda não regularizadas.
Por meio desse instrumento de mandato, o vendedor do imóvel constitui o próprio comprador como seu procurador para representá-lo no tabelionato de notas para a lavratura da escritura definitiva de compra e venda.
Esse instrumento é assim chamado porque o comprador representa tanto a si como o vendedor, dispensando esse último de comparecer no cartório.
Diferentemente da procuração “simples” que pode ser revogada a qualquer tempo segundo o arbítrio do outorgante e que se extingue com sua morte (art. 682, I e II, do CC), a procuração em causa própria (in rem suam) é irrevogável e não se extingue com a morte do outorgante nos termos do art. 685 do CC.
Como o instituto da procuração em causa própria é usado em transação imobiliárias cujo preço já fora pago, o outorgado é dispensado de prestar contas e pode transferir para si os bens objeto do mandato, que se presumem de titularidade do outorgado.
Por fim, cumpre lembrar que o pré-contrato (promessa de compra e venda), ainda que o imóvel seja de valor superior a 30 salários mínimos, pode ser sempre realizado sob forma particular, pois a forma é o único requisito do negócio definitivo que é excepcionada no contrato preliminar pelo art. 462 do CC, sendo o art. 1.417 do CC expresso pela possibilidade de adoção da forma particular na promessa de compra e venda de imóvel que confere o direito real de aquisição.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: