STJ, REsp 1.905.573. Exercício de atividade de forma empresarial. Prazo mínimo de dois anos do registro. Produtor rural. Pedido de recuperação judicial. Possibilidade. Relativização do tempo de registro. (Tema 1145)
Situação Fática: Chico Bento é produtor rural de soja há muitos anos, explorando sua atividade com intuito de lucro, com empregados, fornecedores, clientes, financiamento dos investimentos com capital próprio e de terceiros (financiamento bancário) etc.
Na última safra, contudo, em razão de intempéries climáticas e variação do preço de commodities agrícolas, Chico Bento se viu sem condições de adimplir todas suas obrigações presentes e futuras.
Consultando-se com um advogado foi aconselhado a ingressar com um pedido de recuperação judicial.
No entanto Chico Bento jamais se registrara como empresário individual na Junta Comercial de seu Estado.
Controvérsia: Caso Chico Bento opte por efetuar seu registro como empresário, uma vez realizado o assento na Junta Comercial ainda terá que esperar o lapso de 2 anos previsto no art. 48 da Lei 11.101/05 para ingressar com o pedido de recuperação judicial?
Decisão: Não. Chico Bento poderá ingressar com a recuperação judicial imediatamente após o registro.
Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos, é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.
Fundamentos: O art. 967 do CC impõe como regra o dever de o empresário (individual ou sociedade empresária) registrar-se na Junta Comercial. Entretanto, como o art. 970 do CC assegura tratamento favorecido, diferenciado e simplificado a algumas classes de empresários – dentre os quais o rural –, a interpretação do aludido art. 967 deve se dar de maneira sistemática com o art. 971 do CC, que estabelece que o registro na Junta Comercial é facultativo para o empresário rural, mas, uma vez realizada sua inscrição no registro público mercantil, fica o empresário rural equiparado aos demais, seja para fins de deveres (obrigação de manter escrituração e livros contábeis), seja para fins de direitos (limitação de responsabilidade a depender da forma jurídica e opção de pedir recuperação judicial e falência).
O STJ, em sua fundamentação, entendeu que o registro mercantil tem eficácia meramente declaratória – não constitutiva –, de maneira que o mero exercício da atividade tipificada no art. 966 do CC (“exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”) aliado ao intuito de lucro já tornaria alguém empresário.
Inclusive a interpretação literal do art. 971 do CC já se refere ao indivíduo que organize sua atividade rural no intuito de lucro como “empresário” antes de mesmo de registrar-se na Junta Comercial.
Para os fins do art. 48 da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação e Falência), o STJ consignou que a prova do exercício da atividade empresarial antes do registro pode ser feita por todos os meios admitidos em direito, sendo admissível o deferimento do pedido de recuperação judicial do produtor rural que exerça atividade rurícola de forma empresarial há mais de 2 anos, ainda que esteja registrado na Junta Comercial por tempo inferior àquele biênio.
Mesmo que não contido na notícia do informativo, esclarecemos que a Lei 14.112/20, ao acrescentar os §§ 3º a 5º ao referido art. 48, passou a limitar os meios de prova da atividade empresarial rural da pessoa física à manutenção de livros contábeis elaborados por contador e cumprimento de obrigações tributárias acessórias:
“Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: (...)
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)”
Por fim, o Tema 1145 dos Recursos Repetitivos ficou com a seguinte tese: “Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.”.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: