STJ, REsp 1.913.638. Improbidade. Contratação de servidor temporário sem concurso público. Lei local. Autorização. Dolo. Afastamento. Tema 1108.
Situação Fática: Sabe-se que cabe a cada ente federado, por meio de lei própria, prever as hipóteses em que será cabível, no seu âmbito, a “contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (CF, art. 37, IX).
São os chamados “servidores temporários”, que podem ser contratados sem concurso público.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, entende que, “para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que:
a) os casos excepcionais estejam previstos em lei;
b) o prazo de contratação seja predeterminado;
c) a necessidade seja temporária;
d) o interesse público seja excepcional;
e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração” (RE 658026, Tema 612/RG).
Controvérsia: A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, baseada em legislação local que, embora não declarada inconstitucional à época, não se harmoniza com a jurisprudência do STF sobre o art. 37, IX, da CF, pode ensejar responsabilização por ato de improbidade administrativa (art. 11 da Lei 8.429/92) frente ao agente público que autorizou essa contratação? Imagine, então, que certo prefeito municipal autorizou, em certa situação, a contratação de servidores temporários (ou seja, sem concurso público) com base em lei local que previu essa hipótese como hábil à “contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (CF, art. 37, IX).
Essa lei local, contudo, não observa os parâmetros exigidos pela jurisprudência do STF (recém-apontados), embora não tenha sido (ainda) declarada inconstitucional.
Decisão: Para o STJ, a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo), necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.
Fundamentos: A jurisprudência do STJ sempre foi pacífica em exigir a presença do elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa.
Nos arts. 9º (atos de improbidade que implicam enriquecimento ilícito) e 11 (atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública) da Lei 8.429/92, o STJ exigia o dolo; porém, no art. 10 (atos de improbidade que causam lesão ao erário), admitia a responsabilização à guisa de culpa.
Depois da Lei 14.230/21, no entanto, não mais se admite a punição a título de culpa, mesmo em relação às hipóteses do art. 10.
Para o STJ, no entanto, não se pode falar em dolo do agente público que, com base em lei local, autoriza a contratação de servidores temporários (CF, art. 37, IX) sem concurso público, mesmo que essa lei local venha a ser considerada inconstitucional pelo Poder Judiciário.
Isso porque, antes da declaração de sua inconstitucionalidade, a lei local goza de presunção de constitucionalidade, o que afasta a presença de dolo no agir do agente público.
De resto, é importante destacar que: (a) esse entendimento é aplicável para casos concretos anteriores ou posteriores à Lei 14.230/21; (b) a Primeira Seção do STJ, ao julgar o presente caso, enfatizou que a Lei 14.230/21 conferiu tratamento mais rigoroso, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei 8.429/92 (nova redação), em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: