STJ, REsp 1.925.492. Improbidade administrativa. Decisão interlocutória que indefere pedido de depoimento pessoal. Agravo de instrumento. Cabimento.
Em certa ação civil pública por ato de improbidade administrativa, o juiz indeferiu o requerimento de tomada do depoimento pessoal do réu. Cabe agravo de instrumento?
A singeleza da pergunta esconde um interessante raciocínio jurídico, recentemente albergado pelo STJ.
É sabido que o art. 1.015 do CPC/2015, estribado no que o STJ tem chamado de “taxatividade mitigada”, arrola as hipóteses em que se afigura cabível a interposição de agravo de instrumento. Neste rol, não se vislumbra, prima facie, hipótese que agasalharia o caso em apreço.
Confira: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
É certo que nem a Lei 8.429/1992, nem a Lei 7.347/1985 (lembre-se que a ação de improbidade segue o rito de uma ação civil pública, com as derrogações pontuais previstas na Lei 8.429/1992), trazem previsão legal de cabimento de agravo de instrumento com decisão interlocutória que indefere depoimento do réu. Aliás, sequer contemplam regra genérica de cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias.
Até aqui, a lógica diria que a resposta à nossa indagação inicial seria no sentido de que não se mostraria cabível a interposição de agravo de instrumento na hipótese versada. No entanto, se nosso raciocínio só chegasse até esses argumentos, iríamos pelo caminho errado.
O art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular consagra o cabimento de agravo instrumento contra decisões interlocutórias. Ei-lo:
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.
§ 1º. Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento.
Mas o que o art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular tem a ver com a questão, já que não se cuida de ação popular, e, sim, de ação civil pública por improbidade administrativa?
Tem tudo a ver.
O STJ tem consagrado diretriz jurisprudencial segundo a qual a Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), a Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), a Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor, notadamente o seu Título III) e a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), dentre outras, formam um microssistema de tutela de direitos coletivos lato sensu (ou seja, direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos), de sorte que, em ações de natureza coletiva, deve ser buscada, primeiramente, eventual regra integrante desse microssistema, somente sendo aplicáveis as regras do Código de Processo Civil subsidiariamente. Noutras palavras, não existindo regra na lei própria ao caso (por exemplo: em se cuidando de ação civil pública por improbidade administrativa, deve-se sindicar, primeiramente, se há regra específica na Lei 8.429/1992), o próximo passo será a verificação quanto à existência de regramento legal no âmbito do microssistema de tutela coletiva de direitos, apenas se revelando aplicável o CPC caso não se identifique, dentro do microssistema, dispositivo legal que verse sobre a hipótese considerada.
Interessante saber que a base jurídico-positiva para essa construção doutrinária e jurisprudencial repousa no art. 21 da Lei da Ação Civil Pública, que vem sendo interpretado de maneira extensiva:
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)
Foi inspirado nesse mesmo raciocínio jurídico, por sinal, que a Primeira Seção do STJ firmou compreensão na trilha de que a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário:
A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do art. 475 do CPC/73 e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n. 4.717/65. A divergência tratada envolve definir se é cabível remessa necessária em Ação de Improbidade Administrativa. O acórdão embargado, decidido pela Primeira Turma, entendeu que a ausência de previsão da remessa de ofício não pode ser vista como uma lacuna da Lei de Improbidade que precisa ser preenchida – razão pela qual não há falar em aplicação subsidiária do art. 19 da Lei n. 4.717/65, mormente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente. Por outra via, o acórdão paradigma, da Segunda Turma, adotou entendimento no sentido diametralmente oposto ao admitir o reexame necessário na Ação de Improbidade. Não se desconhece que há decisões no sentido do acórdão embargado, porém prevaleceu o entendimento de que é cabível o reexame necessário na Ação de Improbidade Administrativa, nos termos do art. 475 do CPC/1973. Ademais, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n. 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário". EREsp 1.220.667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 24/5/2017, DJe 30/6/2017.
Em reforço, é de se notar que o art. 1.015, XIII, do CPC estatui que será cabível o agravo de instrumento contra decisões interlocutórias em “outros casos expressamente referidos em lei”. Como o art. 19, § 1º, da Lei 4.717/1965 é aplicável às ações de improbidade administrativa — por se tratar de regra típica ao microssistema de tutela coletiva de direitos —, resta confirmada a inaplicabilidade do art. 1.015 do CPC à hipótese vertente.
O STJ, aliás, já vinha entendendo que o art. 19 da Lei 4.717/1965 afasta a aplicação do art. 1.015 do CPC
"A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018.
Desse modo, a conclusão a que se chega é de que se aplica à ação de improbidade administrativa o previsto no artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular, segundo o qual das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo:
Por exemplo, o Estatuto do Idoso (Lei 10.714/2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) e outras leis voltadas à tutela de direitos coletivos.