STJ, REsp 1.929.288. Agências bancárias. Caixas eletrônicos inoperantes. Falta de numerário. Desabastecimento. Excessiva espera em filas por tempo superior ao limite previsto em lei municipal. Reiteração das condutas.
Situação Fática: Falha de serviço bancário pela reiterada indisponibilidade de numerário para saque em caixas eletrônicos tem acarretado longas filas com espera excessiva por consumidores para saque junto ao caixa do banco.
Controvérsia: O reiterado descumprimento por instituição bancária do tempo máximo de espera para atendimento ao consumidor estabelecido em legislação municipal é apto a gerar o dano moral coletivo? Admite-se, no caso, a reparação por desvio produtivo?
Decisão: Para o STJ, sim. Embora o só tempo de espera superior ao previsto na legislação municipal não seja, isoladamente, apto a caracterizar danos morais, esse fato, aliado a outros elementos, pode caracterizar danos morais, inclusive na modalidade coletiva, gerando o dever de indenizar a perda do tempo livre do consumidor, conforme a teoria do desvio produtivo.
Fundamentos: É assente na jurisprudência do STF, inclusive por tese firmada em sede de repercussão geral, que o município pode legislar sobre tempo de espera em bancos por ser assunto de interesse local, nos termos do art. 30, I, da Constituição: “Tema 272. Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de instituições bancárias.”.
Reflexo dessa orientação, diversas ações de indenização por danos morais são ajuizadas por consumidores pelo só fato de o tempo de espera ter sido superior àquele previsto na legislação da edilidade.
O STJ, contudo, rejeitou a tese e pacificou sua jurisprudência para entender que “a demora no atendimento em fila de banco, por si só, não é capaz de ensejar a reparação por danos morais” (AgRg no AREsp 357.188/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 09/05/2018).
Contudo o desrespeito ao tempo máximo de espera em filas, se aliado a outras circunstâncias, pode, sim, fundamentar a efetiva ocorrência desses danos extrapatrimoniais, sejam eles individuais ou coletivos.
Como balizamentos desse “algo a mais”, a Relatora exemplifica que, ao lado do excesso de tempo em fila, deve-se também aferir, por exemplo: se essa situação é reiterada; se há justificativa plausível para o atraso no atendimento; se a violação do limite máximo previsto na legislação foi substancial; se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas na prestação de serviços; se os fornecedores foram devidamente notificados para sanar as falhas apresentadas etc. Como vertente interpretativa para a caracterização do dano moral, o STJ valeu-se da teoria do “desvio produtivo do consumidor” que também vem sendo denominada pela doutrina como indenização pela “perda do tempo livre”, “perda do tempo útil” ou, simplesmente, “perda do tempo”.
Verifica-se quando o consumidor se depara com problemas próprios de uma sociedade de massa que são causados pelos fornecedores e que demandam o desperdício de tempo, afastando o consumidor de seus afazeres cotidianos na tentativa de uma solução.
Em matéria de direitos patrimoniais, diretamente relacionados a um interesse econômico, a perda e o decurso do tempo já desempenham um papel fundamental, como se percebe dos institutos dos juros remuneratórios, moratórios, da cláusula penal e da indenização por lucros cessantes.
No plano dos direitos da personalidade (não-patrimoniais), contudo, até bem pouco tempo ainda havia grande resistência em admitir que a perda do tempo em si pudesse caracterizar dano indenizável, já que tendia a ser tipificada como mero dissabor do cotidiano, transtorno ou aborrecimento normal à vida em sociedade.
Destacamos que mesmo para a teoria do desvio produtivo ou perda do tempo livre não é toda e qualquer perda de tempo que enseja indenização, mas apenas aquela abusiva, intolerável, não necessária para o convívio cotidiano, já que é ínsito à vida em sociedade o gasto normal de um certo tempo no desempenho de atividades absolutamente normais.
Cremos que este trecho doutrinário bem resume o ponto: “Muitas situações da vida cotidiana nos trazem a sensação de perda de tempo: o deslocamento entre a casa e o trabalho, as filas para pagamentos em bancos, a espera de atendimento em consultórios médicos e dentários e tantas outras obrigações que nos absorvem e tomam um tempo que gostaríamos de dedicar a outras atividades.
Essas são situações que devem ser toleradas, porque, evitáveis ou não, fazem parte da vida em sociedade.
O mesmo não se pode dizer de certos casos de demora no cumprimento de obrigação contratual, em especial daqueles em que se verifica desídia, desatenção ou despreocupação de obrigados morosos, na grande maioria das vezes pessoas jurídicas, fornecedoras de produtos ou serviços, que não investem como deveriam no atendimento aos seus consumidores, ou que desenvolvem práticas abusivas, ou, ainda, que simplesmente vêem os consumidores como meros números de sua contabilidade.
Intoleráveis, também, são situações em que os consumidores se vêem compelidos a sair de sua rotina e perder seu ‘tempo livre’ para solucionar problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas de fornecedores, muitos dos quais não disponibilizam meios adequados para receber reclamações ou prestar informações.” (ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual.
Revista de Direito do Consumidor. RT, v. 53, p. 54).
Exemplos de situações que ensejam desperdício injusto e ilegítimo do tempo do consumidor são elencadas por Marcos DESSAUNE (Desvio Produtivo do Consumidor. pp. 47 e 48): “Enfrentar uma fila demorada na agencia bancária em que, dos 10 guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público; ter que retornar à loja (...) para reclamar de um produto eletroeletrônico que já apresenta problema alguns dias ou semanas depois de comprado; telefonar insistentemente para o SAC de uma empresa, contando a mesma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo pra pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso renitente, mas repetidamente negligenciado; levar repetidas vezes à oficina, por causa de um vício reincidente, um veículo que frequentemente sai de lá não só com o problema original intacto, mas também com outro problema que não existia antes; ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas, três, quatro horas aguardando desconfortavelmente pelo voo que está atrasado, algumas vezes até dentro do avião – cansado, com calor e com fome – sem obter da empresa responsável informações precisas sobre o problema, tampouco a assistência material que a ela compete”.
Embora parte minoritária da doutrina advogue que o dano decorrente da perda do tempo constituiria uma nova espécie de dano (dano “temporal”), ao lado dos danos material, moral e estético, a doutrina majoritária e a jurisprudência enquadram o dano pela perda do tempo como uma subespécie do dano moral, seja individual ou coletivo.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: