STJ, REsp 1.930.256. Marco Civil da Internet. Imagens de nudez. Fins comerciais. Divulgação não autorizada. Art. 21 da Lei n. 12.965/2014. Inaplicabilidade.
Situação Fática: Juliana é modelo e atriz e recentemente fez um ensaio fotográfico de nu artístico para determinada revista masculina.
Pouco tempo depois, a revista e Juliana se depararam com as imagens irregularmente divulgadas na internet através de blog hospedado por empresa de tecnologia.
O usuário do blog não tinha autorização de uso do direito de imagem de Juliana tampouco cessão dos direitos autorais sobre o ensaio fotográfico.
Indignados, Juliana e a revista fizeram uma notificação extrajudicial, com a indicação expressa das respectivas URLs, para que a empresa de tecnologia que hospeda o blog retirasse imediatamente o conteúdo do ar, sob pena de perdas e danos.
Controvérsia: A empresa de tecnologia seria obrigada a remover o conteúdo de nudez tão só com a notificação extrajudicial, sob pena de responsabilidade civil?
Decisão: Para o STJ, não. Só com ordem judicial a empresa de tecnologia seria obrigada a retirar o conteúdo referido do ar. Não seria todo e qualquer conteúdo envolvendo nudez que autorizaria a retirada por notificação extrajudicial. Imagens de nudez produzidas originalmente para fins comerciais, ainda que divulgadas de modo não autorizado, não ostentam natureza “privada” e como tal não se enquadram na exceção à reserva de jurisdição prevista no art. 21 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Assim, seria necessária ordem judicial para obrigar a remoção do conteúdo de nudez “comercial” pela empresa de tecnologia que hospeda o blog, segundo o rito do art. 19 e §§ do Marco Civil da Internet. REsp 1.930.256.
Fundamentos: A questão trata do dever e procedimento de retirada de conteúdo ilícito do ar no âmbito da internet (take down) bem como a responsabilidade civil de provedores.
A classificação dos provedores na internet comporta a divisão legal entre 2 (dois) tipos: (1) provedores de conexão e (2) de aplicações de internet (serviços), nos termos do art. 5º, V, VII, da Lei 12.965/14.
Dentre os referidos provedores de aplicações de internet (serviços) existe ainda uma subdivisão jurisprudencial e doutrinária quanto à produção/reprodução de conteúdo comportando 2 (duas) categorias, com repercussões diretas na responsabilidade civil:
(1) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na internet; e
(2) provedores de conteúdo que disponibilizam na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação.
É bastante comum que os provedores ofereçam mais de uma modalidade de serviço de internet, sendo difícil precisar e individualizar a modalidade para fins de responsabilização civil.
É certo que a doutrina e jurisprudência usualmente classificam de um lado os sites de relacionamento como provedores de conteúdo (a exemplo do Blogger Blogspot, do YouTube e das redes sociais LinkedIn, Facebook, Twitter, Snapchat, Instagram etc.) e do outro lado os sites de notícias como provedores de informação (a exemplo do UOL, G1, R7, ConJur, Jota, Infomoney etc.).
Consequência natural da distinção acima é a aproximação dos provedores de informação com os veículos tradicionais de mídia e imprensa, a exemplo do rádio, televisão, revistas e jornais.
Aqui deve existir um controle editorial prévio das matérias e informações a serem veiculadas, para evitar a propagação de opiniões pessoais ofensivas à dignidade pessoal e profissional de outrem, para não haver violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas que acarrete dano material ou moral (art. 5º, X, da CF).
A Súmula 221 do STJ, que prevê a responsabilização solidária do autor da matéria e do veículo de comunicação por danos civis derivados de publicação, aplica-se também no âmbito da internet, mas é restrita aos provedores de informação, não se aplicando aos provedores de conteúdo.
Por outro lado, como decorrência da liberdade de expressão (art. 5º, IX, da CF) e proibição da censura (art. 220, § 2º, da CF), os provedores de conteúdo, pela própria natureza da atividade que desempenham, não são obrigados a realizar a prévia fiscalização do conteúdo das informações produzidas e postadas por terceiros usuários em seus sites.
Em princípio a responsabilidade é restrita ao usuário, já que não haveria a responsabilidade objetiva do provedor de conteúdo pelo ato praticado por outrem.
Seja porque não se pode reputar como defeituoso o site de relacionamento que não filtra nem examina previamente os dados e imagens nele inseridos, por eventual conteúdo ilícito ser mera consequência do resultado e dos riscos que razoavelmente se espera do serviço (inciso II do § 1º do art. 14 do CDC), seja por não se aplicar o art. 927, parágrafo único, do CC, já que não é uma atividade de risco, pois a internet mais beneficia que prejudica as pessoas, na linha do Enunciado 39 da I Jornada de Civil do CJF.
A responsabilidade civil do provedor de aplicações/conteúdo apenas existiria por conduta própria, em se omitir em retirar o conteúdo do ar (take down) após regularmente notificado.
A responsabilização seria por omissão própria do provedor, jamais por ato de terceiro.
O STJ chega a afirmar que a responsabilidade seria por culpa in omittendo segundo a previsão do art. 19, caput, da Lei 12.965/14.
A regra geral sobre a retirada do ar de conteúdo constante de sites de internet (take down) está no art. 19 e §§ da Lei 12.965/14, com a previsão de que a remoção de dados apenas ocorrerá através de ordem judicial (judicial notice and take down).
Em outras palavras, o juízo acerca da licitude ou não do conteúdo ofensivo cabe ao Poder Judiciário e não ao provedor aplicações/conteúdo.
Com a edição do Marco Civil da Internet houve uma superação do entendimento até então vigorante no STJ, por construção jurisprudencial, que dispensava a ordem judicial, a qual, frisamos, agora é obrigatória como regra geral.
Exceção à regra geral de remoção de conteúdo no art. 19, que admite que o próprio lesado acione extrajudicialmente o provedor para a imediata retirada do conteúdo (notice and take down), está prevista no art. 21, caput, da Lei do Marco Civil e se refere àquilo que a doutrina nominou de vingança pornográfica (violação da intimidade através de cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado).
Quanto à indagação de a quem competiria o ônus de identificar a página virtual, os arts. 19, § 1º, 21, parágrafo único, da Lei 12.965/14 preveem a sanção de nulidade à notificação judicial ou extrajudicial que deixar de identificar clara e especificamente o conteúdo danoso.
Assim, o STJ tem entendido que é dever do ofendido e não do provedor de aplicações/conteúdo.
Existe a obrigatoriedade do ofendido em indicar a URL (Uniform Resource Locator) de uma página da web como condição para a retirada de conteúdo do ar.
Sem a indicação da URL não haveria como indicar o IP (internet protocol) do ofensor com segurança, podendo envolver terceiros não relacionados com a infração.
No caso do julgado em comento, o STJ fixou uma interpretação bastante restritiva do art. 21 do Marco Civil da Internet para entender que esse dispositivo legal exige, de modo expresso e objetivo, que o conteúdo íntimo, divulgado sem autorização, seja produzido em caráter “privado”, ou seja, de modo absolutamente reservado, íntimo e privativo, advindo, daí, sua natureza particular.
Não é, portanto, a divulgação não autorizada de todo e qualquer material de nudez ou de conteúdo sexual que atrai a regra do art. 21, mas apenas e necessariamente aquele que apresenta, intrinsecamente, uma natureza privada, cabendo ao intérprete, nas mais variadas hipóteses que a vida moderna apresenta, determinar o seu exato alcance.
E o STJ excluiu da incidência do art. 21 a nudez “comercial” de ensaio fotográfico e nu artístico para os quais se aplicaria a regra geral do art. 19, exigindo ordem judicial para retirada de conteúdo.
Assim, a empresa de tecnologia que hospeda o blog apenas estaria obrigada a remover o ensaio fotográfico de nu artístico com ordem judicial, não produzindo a notificação extrajudicial quaisquer efeitos para fins de responsabilização civil do provedor de aplicações/conteúdo.
Frisamos, de resto, que o julgado não discutiu a responsabilidade civil do próprio autor das postagens ilícitas no blog.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: