STJ, REsp 1.943.848. Ato infracional análogo a homicídio contra ascendentes. Ato doloso, consumado ou tentado. Reconhecimento de indignidade. Exclusão de herdeiro. Cabimento. Art. 1.814 do Código Civil/2002. Rol taxativo.
Situação Fática: Herdeiro comete ato infracional análogo a homicídio doloso contra o autor da herança (de cujus). Nessa situação, esse herdeiro pode ser excluído da sucessão por indignidade?
Controvérsia: O rol de hipóteses que autoriza a exclusão da sucessão pode ser aplicado por analogia, considerando que apenas consta no inciso I do art. 1.814 do CC o termo “homicídio”? Ou seja, aplicar-se-ia a mesma lógica de vedação de analogia da sanção penal à sanção civil de indignidade?
Decisão: Para o STJ, o herdeiro pode, sim, ser excluído da sucessão em razão da prática de ato infracional análogo a homicídio doloso contra o autor da herança, uma vez que as hipóteses de indignidade admitem analogia.
Fundamentos: Diferentemente da tipicidade estrita ou fechada do direito penal, a tipicidade que vigora no direito civil sancionador é a tipicidade delimitativa ou finalística.
Com foco nos valores protegidos pela norma sancionadora civil, admite-se uma analogia limitada para permitir a punição de situações semelhantes que violem os mesmos valores buscados na lei.
A interpretação literal estrita cederia em prol do espírito ou teleologia da lei (mens legis).
A doutrina e a jurisprudência defendem que atos igualmente dolosos que atentem contra a vida do autor da herança sejam também punidos com a indignidade, sendo incoerente não estender a sanção de exclusão da herança para tais hipóteses, a exemplo dos crimes de induzimento e instigação ao suicídio, latrocínio ou extorsão mediante sequestro qualificado por morte.
Assim, mesmo que o ato infracional não seja tecnicamente crime, não haveria óbice segundo o STJ para estender-lhe a sanção de indignidade, para considerar o herdeiro infrator como se morto fosse, excluindo-o da sucessão.
Aliás, julgado antigo do STJ já considerou como lícita a utilização da analogia para aplicação da indignidade no caso de herdeiro que praticara o crime de maus tratos e abandono de incapaz contra o de cujus (REsp 334.773-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 21/5/2002 – Inf. 135 do STJ).
Nesse contexto, a analogia limitada pela tipicidade delimitativa ou finalística pode ser utilizada para excluir herdeiro da sucessão na prática de atos dolosos contra a vida do autor da herança.
Salientamos que, embora o caso do presente julgado trate do instituto da indignidade (art. 1.814 do CC), a mesma lógica é aplicável também para a deserdação, uma vez que todas as hipóteses de indignidade também são hipóteses de deserdação (art. 1.961 do CC), com consequências bastante semelhantes de considerar o infrator como se morto fosse, abarcando tanto a legítima como a parte disponível da herança.
Por fim, registre-se que os efeitos da sanção civil são pessoais – à semelhança da sanção penal –, de maneira que eventuais sucessores do infrator indigno ainda serão chamados à sucessão do de cujus por representação ou estirpe (art. 1.816 do CC).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: