STJ, REsp 1.955.083. Danos materiais e morais. Acidente de consumo. Falecimento de integrante da plateia. Empresa patrocinadora de evento. Não integrante da cadeia de fornecimento.
Situação Fática: Determinada empresa do ramo de espetáculos e entretenimento promoveu show de exibição de motos com entrada franca (gratuita) ao público.
Durante a performance do espetáculo um dos cilindros do motor de um veículo explodiu, com seus pedaços atingindo e matando pessoa na plateia.
O show contava com patrocínio de outra empresa do ramo de comercialização de motos e peças.
As empresas possuem personalidade jurídica distinta, com administradores e sócios distintos, respeitando nas atividades comerciais do dia-a-dia o escopo e limite de seus objetos sociais respectivos.
A marca da patrocinadora não deu nome ao evento, sendo a veiculação da publicidade exibida em espaço reservado para tal em banners e cartazes.
Controvérsia: O patrocinador deste evento pode ser enquadrado como fornecedor do serviço e também responsabilizado juntamente com o organizador na hipótese de ocorrência de acidente que vitime espectador na plateia?
Decisão: Para o STJ, não. Apenas a empresa organizadora do evento pode ser enquadrada como fornecedora do serviço de entretenimento e responsabilizada como tal nos termos do art. 14 do CDC. A empresa patrocinadora não seria fornecedora desse serviço.
Fundamentos: O STJ entendeu que existe relação de consumo mesmo que a entrada para o show seja franca ou gratuita.
A jurisprudência há muito se consolidou por admitir que a contraprestação ao fornecedor de serviços seja indireta, é dizer, paga por outrem, de maneira que a expressão “mediante remuneração” contida no art. 3, § 2º, do CDC abarca também os serviços aparentemente gratuitos.
Essa é a ratio da Súmula 130 do STJ (“A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.).
Surge a controvérsia se aquele que efetivamente paga pelo serviço mediante patrocínio de publicidade a ser veiculada aos consumidores poderia ou não ser enquadrado também como fornecedor desse serviço aparentemente gratuito.
A jurisprudência do STJ entende que não, ou seja, o patrocinador de serviço aparentemente gratuito não pode ser considerado como executor do serviço prestado por faltar-lhe o “nexo de imputação”, sendo esse o vínculo entre a atividade desenvolvida pelo fornecedor e o defeito do serviço.
Esse nexo apenas estaria presente em relação ao organizador do evento, de maneira que apenas ele poderia responder pelos danos ocasionados ao espectador, afastando a responsabilidade do patrocinador.
Mesmo que o art. 7º, parágrafo único, do CDC traga o princípio da solidariedade legal entre fornecedores, equiparando a responsabilidade entre fornecedores diretos e indiretos, antes ainda se faria necessário o prévio enquadramento de alguém como fornecedor.
Para tanto, o STJ entendeu que é imprescindível que a empresa integre a cadeia de consumo, contribuindo com insumos no fornecimento do produto e/ou serviço final ao consumidor.
No caso, o STJ entendeu que a publicidade de terceiro não se revestiria dessa qualidade de insumo, de maneira que não seria possível enquadrar o patrocinador do evento como fornecedor indireto do serviço de entretenimento.
É dizer, a posição de fornecedor apenas seria detida pelo organizador do evento.
Frisamos que a posição do STJ de promover distinção entre a publicidade/propaganda que remunera indiretamente determinado produto/serviço do próprio produto/serviço em si, impedindo que um se torne fornecedor indireto do outro, não é nova.
Mutatis mutandis, já foi observada em algumas oportunidades em que o STJ separou as cadeias de consumo.
Como exemplo pode-se citar a ausência de reponsabilidade dos jornais e revistas pelos produtos e serviços que são veiculados em seus anúncios (Inf. 442 do STJ, REsp 1.046.241); ainda como exemplo dessa separação entre patrocinador e fornecedor do serviço, o STJ já entendeu que o programa televisivo, seja pelo apresentador “garoto-propaganda”, seja pela emissora, não é corresponsável pelo anúncio de produto ou serviço exibido ao público espectador (Inf. 461 do STJ; REsp 1.157.228).
Por fim, frisamos que, embora o STJ tenha afirmado literalmente que o patrocinador não se revestiria da condição de fornecedor, isso apenas é verdadeiro em relação ao serviço aparentemente gratuito cuja publicidade faz frente aos custos do serviço, remunerando o prestador.
Em relação à publicidade/propaganda em si mesma considerada, o patrocinador será, sim, fornecedor ao menos em relação ao conteúdo anunciado, respondendo por práticas enganosas e abusivas.
O art. 29 do CDC inequivocamente torna o patrocinador fornecedor por equiparar a consumidor todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais da oferta (arts. 30 a 34 do CDC) e da publicidade (arts. 36 a 38 do CDC).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: