STJ, REsp 1.966.030. Alienação fiduciária. Propriedade consolidada do credor fiduciário. Imóvel objeto de locação. Taxa de ocupação. Art. 37-A da Lei n. 9.514/1997. Ilegitimidade passiva do locatário.

Situação Fática: João contratou financiamento para a aquisição de imóvel junto ao Banco XYZ, tendo ocorrido a compra do referido bem por João e a instituição da garantia fiduciária em favor da instituição financeira. O contrato de alienação fiduciária prevê que na inadimplência de João ocorrerá a consolidação da propriedade em favor do Banco XYZ, hipótese em que João deverá pagar a “taxa de ocupação” até que ocorra a imissão da instituição financeira na posse do imóvel nos termos do art. 37-A da Lei 9.514/97.
Controvérsia: Durante o período de normalidade contratual, isto é, quando João estava pagando em dia com suas obrigações, ele locou o imóvel para Cláudio, um terceiro, a fim de usar o aluguel para fazer caixa e pagar as prestações do financiamento. Contudo, João teve problemas econômicos e, mesmo com o aluguel sendo pago pontualmente por Cláudio, João deixou de pagar as prestações do financiamento imobiliário. Nessa situação, o Banco XYZ pode cobrar a taxa de ocupação diretamente de Cláudio, o inquilino?
Decisão: Para o STJ, não. O Banco XYZ apenas poderá cobrar a taxa de ocupação de João e não de Cláudio, pois este não foi parte no financiamento, não tendo voluntariamente assumido a obrigação de pagar a taxa de obrigação cuja fonte é o contrato de alienação fiduciária. REsp 1.966.030.
Fundamentos: Existe um tríplice regime normativo da propriedade fiduciária sobre bens corpóreos: o CC no art. 1.361 e ss. disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, qualquer que seja o credor; o art. 66-B da Lei 4.728/65 c/c Decreto-lei 911/69 disciplinam a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis quando o credor for instituição financeira; a Lei 9.514/97 rege a propriedade fiduciária sobre imóveis, qualquer que seja o credor, instituição financeira ou não.
Não obstante a dispersão legislativa, existem traços comuns aplicáveis a qualquer modalidade do contrato de alienação fiduciária.
Alienação fiduciária em garantia é o contrato através do qual alguém (devedor fiduciante) obtém um mútuo concedido pelo credor fiduciário, tendo como garantia um bem (móvel fungível, móvel infungível ou imóvel) através de propriedade resolúvel.
Comumente, mas não necessariamente (Súmula 28 do STJ), os recursos obtidos com o empréstimo são destinados à aquisição do próprio bem garantido junto a um terceiro vendedor, que não é parte no contrato de alienação fiduciária.
O credor fiduciário não deterá uma propriedade plena (art. 1.367, parte final, do CC), mas uma propriedade imperfeita ou resolúvel vinculada (afetada) à alienação fiduciária, na qual o devedor fiduciante deterá a posse direta e um direito real de aquisição condicionado ao pagamento da obrigação garantida, enquanto o credor fiduciário deterá a posse indireta e a propriedade resolúvel, conforme arts. 1.361, § 2º, 1.368-B, caput, ambos do CC e art. 22, caput, da Lei 9.514/97.
No caso apresentado, o contrato de locação é lícito, pois a cessão da posse do imóvel objeto de alienação fiduciária, por meio da celebração de contrato de locação com terceiros, é uma faculdade assegurada ao devedor fiduciante, pois o art. 24, V, da Lei 9.514/97 lhe confere “enquanto adimplente, a livre utilização por sua conta e risco do imóvel objeto da alienação fiduciária.”.
Entretanto, pelo princípio da relatividade dos contratos, o inquilino/locatário do imóvel não é parte legítima para responder pela taxa de ocupação prevista no art. 37-A da Lei 9.514/97, por não fazer parte da relação jurídica que fundamenta a cobrança, uma vez que apenas assinaram esse negócio o credor fiduciário e o devedor fiduciante (locador no contrato de aluguel).
Assim, o inquilino/locatário carece de legitimidade passiva numa ação judicial de cobrança da taxa de ocupação ajuizada pela instituição financeira. Apenas o devedor fiduciante responderá pela taxa de ocupação.
Frise-se que, em tese, após a consolidação da propriedade o Banco XYZ poderia ajuizar uma ação de reintegração de posse com base no art. 30 da Lei 9.514/97, situação em que qualquer pessoa que estivesse no imóvel ostentaria legitimidade passiva para a ação, sendo possível à instituição financeira cumular um pedido de perdas e danos para compensar o período em que o bem foi ocupado irregularmente, nos termos do art. 555, I, do CPC, cabendo, contudo, ao juiz arbitrar o valor da indenização, que não ficará adstrita ao valor nem à forma de cálculo da taxa de ocupação.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: