STJ, REsp 1.977.172. Princípio da intranscendência da pena. Crime de poluição (art. 54, § 2º, V, da Lei n. 9.605/1998). Conduta praticada por sociedade empresária posteriormente incorporada por outra.
Situação Fática: A empresa Lucro Fácil Ltda. foi acusada de ter praticado crime ambiental por ter causado o derramento de expressiva quantidade de óleos lubrificantes no mar. Antes, porém, do recebimento da denúncia, a empresa foi incorporada pela holding Compro Tudo S/A.
Controvérsia: A extinção da pessoa jurídica em razão da incorporação por outra empresa acarreta a extinção da punibilidade relativamente a crimes ambientais de que a incorporada venha a ser acusada?
Decisão: Para o STJ, o princípio da intranscendência da pena, previsto no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, tem aplicação às pessoas jurídicas, de modo que, extinta legalmente a pessoa jurídica - sem nenhum indício de fraude -, aplica-se analogicamente o art. 107, I, do Código Penal, com a consequente extinção de sua punibilidade.
Fundamentos: Lembrou o Tribunal da Cidadania que os arts. 1.116 do CC/2002 e 227 da Lei n. 6.404/1976 preveem que a sucessão da incorporada pela incorporadora se opera quanto a direitos e obrigações.
Obrigação, contudo, é instituto com um sentido jurídico próprio, diferente de seu significado popular, "e aí se concebe a obrigação como um vínculo de direito que liga uma pessoa a outra, ou uma relação de caráter patrimonial, que permite exigir de alguém uma prestação".
As sanções criminais, entretanto, não se equiparam a obrigações cíveis, porquanto as consequências jurídicas da obrigação e da pretensão punitiva são essencialmente distintas.
Se, de um lado, a obrigação reclama adimplemento (espontâneo ou forçado) ou resolução em perdas e danos, a pretensão punitiva, de outro, gera a aplicação de pena quando julgada procedente pelo Poder Judiciário.
Por isso, não é possível enquadrar a pretensão punitiva na transmissibilidade regida pelos arts. 1.116 do CC/2002 e 227 da Lei n. 6.404/1976. Ademais, não há, no regramento jurídico da incorporação, norma autorizadora da extensão da responsabilidade penal à incorporadora por ato praticado pela incorporada.
Nesse compasso, assim como a responsabilidade penal de pessoas jurídica é admitida em matéria de crimes ambientais (art. 225, § 3º, da CF c/c art. 3º da Lei 9.605/98), também as garantias processuais penais não podem ser arbitrariamente negadas às pessoas jurídicas, notadamente quando com elas compatíveis.
Dessa forma, o princípio da intranscendência das sanções, consagrado no art. 5º, XLV, da CF, não encontra fundamento legítimo para que não seja estendido às pessoas jurídicas.
O STJ, contudo, ressalvou a possibilidade de desconsideração da incorporação ou mesmo da personalidade jurídica da incorporadora em casos de fraude ou de incorporação realizada após sentença condenatória transitada em julgado, a fim de manter viva a sociedade incorporada até que a sanção penal seja cumprida, declarando-se a ineficácia da operação de incorporação em face do Poder Público, de modo a garantir que a parcela de patrimônio incorporada seja alcançada pela pena definitiva.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: