STJ, RHC 162.703. Coleta compulsória de material orgânico de suspeitos para fins de identificação criminal. Art. 5º-A da Lei n. 12.037/2009. Incluído pela Lei n. 12.654/2012. Ausência de consentimento. Material não descartado.
Situação Fática: O juiz de primeiro grau, atendendo à representação da autoridade policial, determinou, para o fim de identificação do perfil genético, a coleta de material biológico de pessoas suspeitas de praticarem roubo contra um banco.
A defesa impetrou habeas corpus ao tribunal requerendo o reconhecimento da nulidade da decisão, haja vista violação ao princípio da não autoincriminação, mas o tribunal indeferiu a ordem. Irresignada, a defesa interpôs recurso ao STJ.
Controvérsia: Há nulidade da coleta compulsória de material orgânico, para fins de identificação criminal, não descartado de pessoas definitivamente não condenadas?
Decisão: É nula, para fins de identificação criminal, a coleta compulsória de material orgânico não descartado de pessoas definitivamente não condenadas.
Fundamentos: O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral na questão constitucional aludida no Recurso Extraordinário 973.837/MG (Tema n. 905/STF), em relação ao art. 9º-A da Lei n. 7.210/1984, que "prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de condenados" por delitos violentos ou hediondos em banco de dados estatal.
A Lei n. 13.964/2019 não excluiu dos preceitos normativos vigentes o art. 5º-A (incluído pela Lei n. 12.654/2012 à norma de 2009, Lei n. 12.037/2009), que trouxe ao ordenamento jurídico a viabilidade de coleta de material orgânico de suspeitos para fins de identificação criminal.
Nada obstante, cumpre consignar que, mesmo no tocante a condenados, definitivamente, por delitos violentos e graves, entendeu o STF, no Recurso Extraordinário 973.837/MG, que há razão bastante para a discussão acerca dos "limites dos poderes do Estado de colher material biológico", de "traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazer uso dessas informações", diante dos relevantes argumentos quanto à eventual "violação a direitos da personalidade" e à "prerrogativa de não se autoincriminar".
No caso, a infração praticada não deixa vestígios, tampouco a autoridade policial noticiou de que forma a providência restritiva traria utilidade às investigações, e não há denúncia contra o investigado, quanto mais sentença condenatória.
Não se olvida que há precedentes do STJ no sentido de que a extração de saliva não representa método invasivo da intimidade. Sem embargo, são hipóteses em que o referido material genético se achava em objetos descartados - vale dizer, o exame do elemento orgânico não envolveu violação ao corpo do indivíduo (ilustrativamente, o suspeito fumou e desprezou cigarros, ou a saliva foi recolhida de copos ou talheres de plástico utilizados e eliminados) - ou se a arrecadação do material biológico é consentida (RHC 104.516/RN, Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 07/02/2020; HC 495.694/SP, Ministra Laurita Vaz, DJe 07/03/2019).
Por outro lado, há dezenas de precedentes do STJ que não confrontam com o caso em comento, porquanto aludem à coleta de elementos orgânicos de sentenciados e sujeitos à execução - como o HC 536.114/MG, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 10/2/2020, e o HC 476.341/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 9/9/2019 - ou remetem a circunstâncias em que há consentimento do acusado com o recolhimento do material biológico ou fornecimento voluntário do dado perquirido - como o HC 651.424/BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 31/5/2022, e o AgRg no REsp 1.979.815/PE, Rel. Ministro Jesuíno Rissato, Quinta Turma, DJe 16/3/2022.
Com efeito, o Pacto de San José da Costa Rica (aderido à legislação pátria pelo Decreto n. 678/1992) prevê, como garantia de toda pessoa acusada, que ninguém é obrigado a se autoincriminar e assegura ao acusado/réu o direito a não depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado (art. 8º, item "2", alínea "g").
O direito a não se inculpar também está previsto na Constituição da República, em seu art. 5º, LXIII, segundo o qual "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado".
Ainda, o Código de Processo Penal dispõe, em seu art. 186, a possibilidade de o réu ficar em silêncio, quando interrogado.
Dessa forma, declara-se a nulidade da coleta compulsória de material orgânico e da inserção dos respectivos dados biológicos no Banco Nacional de Perfis Genéticos na hipótese dos autos, em que: I. não há sentença contra o investigado; II. não há proporcionalidade na medida invasiva, nem há denúncia em seu desfavor; III. não há dúvida acerca da identificação do investigado; IV. o delito pelo qual se determinou a providência restritiva não deixa vestígios; V. não há comprovação bastante de que a identificação genética do investigado é essencial para a investigação criminal; VI. não se trata de material biológico descartado; VII. a coleta dos dados orgânicos depende da intervenção no corpo do indivíduo, não consentida; VIII. o investigado, em princípio, é primário, de modo que não há motivo idôneo, ao menos por ora, para a inclusão do seu perfil biológico em banco estatal de dados genéticos; IX. há discussão relevante no Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de atos semelhantes ao ora impugnado violarem direito à personalidade de pessoas definitivamente condenadas, bem como a prerrogativa de os réus não se autoincriminarem (conforme, inclusive, orientação da Corte Européia de Direitos Humanos); e X. a espécie não se adequa aos precedentes do STJ, que se reportam a sentenciados, a material descartado ou ao consentimento da provisão dos dados biológicos pelos réus.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: