STJ, RMS 66.905. Recurso ordinário. Apelação em mandado de segurança. Fungibilidade. Recebimento como recurso especial. Descabimento.
Situação Fática: Impetrante de mandado de segurança perante o juiz de 1º grau tem a segurança denegada em sede de sentença.
Após recorrer mediante apelação, o tribunal, em sede de acórdão, confirma a sentença.
Irresignado, o impetrante apresenta recurso ordinário para o STJ.
Controvérsia: Mesmo que o recurso ordinário seja reservado pela Constituição para as hipóteses em que o mandamus é impetrado originariamente perante tribunal – e não perante juiz de 1º grau –, seria possível aplicar o princípio da fungibilidade recursal e receber esse recurso ordinário como recurso especial?
Decisão: Para o STJ, não. A hipótese em tela constitui erro grosseiro, o que afasta a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Fundamentos: Como garantia fundamental prevista no art. 5º, LXIX, da CF, o constituinte regulou o procedimento do writ de maneira a possibilitar a reanálise da prova pré-constituída do direito líquido e certo numa instância recursal sempre que a decisão de mérito denegar a segurança e mantiver o ato coator.
Quando o mandado de segurança é impetrado perante o juiz de 1º grau, o tema não desperta maiores controvérsias porque a apelação é o recurso cabível contra a sentença, seja a segurança concedida ou denegada (Lei art. 14, caput, da Lei 12.016/09, devolvendo a análise da matéria de fato e de direito ao órgão recursal.
A preocupação do constituinte realmente se revela quando o mandado de segurança é da competência originária de tribunal de 2º grau ou de tribunal superior que não seja o próprio STF (como o Pretório Excelso é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, seria inaplicável o princípio do duplo grau de jurisdição à sua competência originária).
Tratando-se de writ de competência originária de tribunal que não seja o STF, a legislação em geral trata a hipótese como mandado de segurança decidido em “única instância”, já que o processo não foi objeto de julgamento monocrático por um juiz a quo, de 1º grau, através de sentença, submetendo-se a julgamento colegiado através de acórdão a ser originariamente proferido por desembargadores ou ministros.
Assim, as decisões que denegam mandado de segurança em única instância nos tribunais são combatidas pela via do recurso ordinário constitucional (ou, simplesmente, recurso ordinário), que é regulado pelos arts. 1.027 e 1.028 do CPC e se assemelha à apelação.
Frise-se que o recurso ordinário contra decisão denegatória de segurança de TJ ou TRF será sempre dirigido para o STJ (CF, art. 105, II, ‘b’), mesmo que verse exclusivamente sobre matéria constitucional, porque o STJ funcionará como instância revisora de forma ampla, à semelhança do recurso de apelação, podendo apreciar fundamentos de fato e direito do recurso (diferentemente do que ocorre com o recurso especial).
Convém lembrar que o STF será competente para julgar o recurso ordinário contra decisão denegatória de segurança proferida por tribunal superior (CF, art. 102, II, ‘a’), ainda que o writ verse exclusivamente sobre matéria infraconstitucional, pelas mesmas razões apontadas na frase anterior.
Por outro lado, as decisões concessórias de mandados de segurança julgados em única instância não são atacáveis pela via do recurso ordinário, ante o princípio da taxatividade dos recursos.
À parte sucumbente cabe o manejo dos recursos excepcionais: recurso extraordinário para o STF ou do recurso especial para o STJ.
Como tais recursos possuem fundamentação vinculada, não basta a mera sucumbência, fazendo-se necessário que também estejam presentes as hipóteses de cabimento previstas, respectivamente, no art. 102, III, ‘a’, ‘b’, ‘c’, ou ‘d’ e art. 105, III, ‘a’, ‘b’ ou ‘c’, todos da CF, de maneira que questões constitucionais estarão afetas ao STF, enquanto as infraconstitucionais caberão ao STJ.
Aqui o STF e o STJ apreciarão apenas questões de direito em razão da fundamentação vinculada do recurso à questão constitucional ou federal, vedando-se aos tribunais superiores a reanálise de matéria fática e probatória nos termos da Súmulas 279 e 454 do STF e Súmulas 5 e 7 do STJ:
“Súmula 279 do STF. Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”
“Súmula 454 do STF. Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário.”
“Súmula 7 do STJ. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
“Súmula 5 do STJ. A simples interpretação de clausula contratual não enseja recurso especial.”
Como o recurso ordinário devolve para o tribunal superior a análise da matéria de fato e de direito, é irrelevante saber se o capítulo que denegou a segurança impetrada originariamente junto a tribunal se assenta em fundamento constitucional ou infraconstitucional.
Sempre será cabível um só recurso, o ordinário.
Diferentemente, é altamente relevante saber se o capítulo que concedeu a segurança impetrada originariamente junto a tribunal se assenta em fundamento constitucional e/ou infraconstitucional, dada a possibilidade de interposição simultânea de recurso extraordinário e recurso especial (exceção à unirrecorribilidade), principalmente se o acórdão recorrido se assentar em mais de um fundamento, autônomo e suficiente, para sustentar de per si a conclusão do julgado, a exigir a totalidade de impugnação tanto da matéria infra como da constitucional, inclusive com simultaneidade de instâncias, sob pena de prejudicialidade do recurso por ausência de utilidade, conforme Súmula 283 do STF e Súmula 126 do STJ:
“Súmula 283 do STF. É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos êles.”
“Súmula 126 do STJ. É inadmissível recurso especial, quando o acordão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.”
Embora o recurso extraordinário e o recurso especial sejam cabíveis contra decisões de tribunais que tenham julgado a causa em única ou última instância, percebe-se que é necessário o prévio esgotamento das vias ordinárias nos termos da Súmula 281 do STF (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.”), o que não ocorre em decisões denegatórias de mandado de segurança de competência originária de tribunais exatamente por ainda ser permitida a utilização do recurso ordinário.
O aviamento de um recurso por outro no presente caso constitui erro grosseiro, que afasta a fungibilidade recursal, consoante previsão da Súmula 272 do STF (“Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança.”), ratificada pela jurisprudência do STF e do STJ.
A previsão do recurso cabível em writ de competência originária de tribunal na hipótese de sucumbência parcial (dentro de um mesmo pedido) ou de sucumbência recíproca (que envolve mais de um pedido) está atualmente regulada no art. 18 da Lei 12.016/09 (“Art. 18. Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.”), sendo aferida segundo a sorte da demanda (secundum eventum litis).
O autor deverá interpor recurso ordinário, enquanto o réu deverá manejar recurso extraordinário e/ou especial.
Repisamos que se o mandado de segurança foi julgado por sentença e chegou ao tribunal através de apelação ou de reexame necessário, segundo art. 14, caput e § 1º, da Lei 12.016/09, não será cabível o recurso ordinário contra o acórdão por se tratar de feito de competência recursal do tribunal (não originária).
Aqui, independentemente da sorte da demanda (eventum litis), será cabível recurso extraordinário para o STF e/ou recurso especial para o STJ, independentemente da procedência ou improcedência do capítulo do acórdão que aprecia a pretensão recursal.
Assim, a interposição de recurso ordinário no lugar de recurso excepcional (especial ou extraordinário), e vice-versa, constitui erro grosseiro que afasta a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: