STJ, RMS 67.443. Tributos estaduais. Pandemia (Covid-19). Pretensão de suspensão temporária de vencimento e de postergação do prazo de pagamento das prestações dos parcelamentos.
Situação Fática: Com a edição do Decreto Legislativo 6/20 editado pelo Congresso Nacional foi reconhecida a ocorrência do estado de calamidade pública para fins do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ante a necessidade de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Alguns Fiscos (no âmbito federal, estadual e municipal) postergaram a data de vencimento da obrigação de pagamento de determinados tributos bem como das prestações de alguns parcelamentos tributários em curso.
Controvérsia: Existe direito subjetivo a que contribuintes de tributos, cujos sujeitos ativos não adiaram nem postergaram a data de recolhimento, tenham a suspensão de exigibilidade do crédito tributário pela concessão judicial de moratória ou parcelamento? Seria possível aplicar analogicamente a legislação tributária de um tributo a outro, inclusive na hipótese de entes políticos distintos?
Decisão: Para o STJ, não. Na ausência de legislação tributária específica do ente político, não há como o Poder Judiciário atuar como legislador positivo e aplicar por analogia o direito à postergação do vencimento de tributos e parcelamentos, mesmo no curso da pandemia de Covid-19.
Fundamentos: A gravidade da situação do estado de calamidade pública ante o coronavírus, por si só, não autoriza o ativismo judicial de forma descontrolada, subvertendo a lógica de todo o sistema tributário nacional.
A pretensão do contribuinte de, sem previsão na legislação tributária do sujeito ativo, postergar o pagamento de tributos e parcelamentos tem o potencial de causar consequências econômicas negativas e externalidades fiscais indesejadas.
O Poder Judiciário não dispõe de estudos e estimativas de impacto orçamentário-financeiro exigidos pelo art. 14, caput, da LRF para formular um programa de renúncia de receita pública à margem da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A sociedade como um todo deve cobrar a atuação do poder político constituído através dos representantes eleitos nos Poderes Legislativo e Executivo, únicos legitimados a ponderar valores e bens jurídicos para escolher as melhores opções de condução da sociedade brasileira no campo tributário, orçamentário e fiscal.
E isso pela simples razão de que nesta seara as escolhas públicas dos políticos beneficiarão e prejudicarão de modo desigual diferentes pessoas e setores da sociedade e, exatamente por isso, estarão sempre sujeitas ao escrutínio periódico das eleições, que definirão seu acerto ou erro através do voto, permitindo a manutenção ou mudança do programa de desoneração ou de benefício tributário.
O tributo é prestação pecuniária de natureza ex lege, nos termos do art. 3º do CTN.
O crédito tributário surge após o lançamento fiscal e representa um bem público indisponível por, em última análise, ser de titularidade de todo o povo que constitui o Estado.
A função do tributo é ser a principal fonte de custeio da coisa pública. É exatamente daí que deriva o princípio e a garantia da legalidade tributária prevista no art. 150, I, da CF, indicando que é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (no taxation without representation).
Pelo princípio da simetria jurídica, uma vez constituído o crédito tributário exclusivamente com base na lei, sua exigibilidade apenas pode ser suspensa ou excluída também com base unicamente na lei, nos termos do art. 141 do CTN.
Desse modo, apenas ato normativo com status de lei ordinária do ente tributante é que pode validamente dispor acerca do crédito tributário.
É exatamente isso o que dispõe o art. 150, § 6º, da CF ao indicar que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal.
O referido dispositivo constitucional é regulamentado através do art. 97, VI, do CTN, que dispõe que as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários somente podem ser estabelecidos por lei ordinária do ente tributante.
Os art. 153 e 155-A do CTN, ao regularem os institutos da moratória e do parcelamento enquanto hipóteses de suspensão do crédito tributário dos incisos I e VI do art. 151 do mesmo Código, são claros em preceituar que não existe um direito subjetivo do contribuinte a adiar (moratória) ou parcelar tributos de acordo com seu bel-prazer, necessidade ou conveniência.
Ao contrário, o contribuinte apenas pode fazer jus à moratória ou parcelamento do crédito tributário na forma e nas condições que a lei estabelecer. É exatamente por isso que a interpretação da legislação tributária nessa parte é literal ou restritiva, nos termos do art. 111, I, do CTN.
Frise-se que legislação ordinária dos entes tributantes já prevê as hipóteses normais (ordinárias) de parcelamento do crédito tributário (por exemplo, a Lei 10.522/02 no âmbito federal).
Outras hipóteses mais benéficas ao contribuinte dependem de lei que estabeleça de forma temporária e excepcional outros critérios, a juízo político do legislador [por exemplo, nas leis do REFIS (Lei 9.964/00), PAES (10.684/03), PAEX (MP 303/06) e de diversos outros parcelamentos especiais no âmbito federal como na Lei 11.941/09].
Desse modo, apenas o legislador – aí entendida a manifestação de vontade que provém do acordo entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo – é quem pode editar uma lei formal prevendo uma hipótese especial (extraordinária) de moratória ou parcelamento.
Não pode o Poder Judiciário substituir os Poderes Legislativo e Executivo e criar por ordem judicial uma hipótese não legalmente prevista de moratória ou parcelamento.
Isso violaria o princípio da tripartição e harmonia entre os poderes previsto no art. 2º da Constituição.
Noutras palavras, não cabe ao juiz atuar como legislador positivo em matéria tributária, para criar ou estender benefícios fiscais e parcelamentos tributários não contemplados na lei ordinária, ainda que por razões de justiça ou isonomia.
O ponto é pacífico no STF (v.g., RE 933337 AgR).
Por fim, eventual ato infralegal do Poder Executivo que prorrogue o vencimento de apenas alguns tributos – e não de todas as exações e parcelamentos em curso – não fere o princípio da reserva legal em matéria tributária, inserindo-se legitimamente dentro do poder regulamentar do Executivo, igualmente não merecendo correção nem tampouco extensão pelo Poder Judiciário, por inexistir qualquer ilegalidade.
Como já decidido pelo STF, a data de vencimento da obrigação tributária não está inserida no âmbito da legalidade tributária, ficando sob a discricionariedade administrativa tributária sempre que o prazo do vencimento da exação não estiver fixado em lei (v.g., RE 203684).
Abaixo, você pode conferir a explicação desse julgado em vídeo: